Não é só uma pesada carga de preconceito que atrapalha o entendimento a respeito das ideias do que são a linguagem inclusiva e linguagem neutra. Falta informação e compreensão das razões que conduziram à proposta de uma nova forma de tratamento para acolher a diversidade entre indivíduos distintos: manipular a comunicação para que seja mais tolerante e inclusiva.

Por que isso é tão necessário? Pessoas que não se encaixam no padrão cisgênero, ou seja, homem/mulher, como no modelo social que define a tal da “família propaganda de margarina”, formada por um casal de homem e mulher e seus filhinhos, alegam que não se sentem vistos e respeitados pela língua padrão. É, de fato, uma disputa política contra a reprodução de valores e crenças de uma porção da sociedade.

Para essas pessoas, o problema é que a língua portuguesa distribui as palavras (substantivos, adjetivos, artigos e pronomes) com base em fortes marcadores de gênero – masculino, feminino, epiceno, comum de dois ou sobrecomum – e que, para expressar a forma genérica, usa em geral o gênero masculino. É como se o geral, o grupo, pudesse ser representado de uma forma única, monolítica – sabemos que a sociedade é muito mais plural, muito mais diversa.

Esse é o ponto. Os ativistas reconhecem que a língua em si não é sexista, mas lembram que essa marcação tão extrema de gênero acaba perpetuando a invisibilidade das minorias, “apagadas” pela generalização ocupada pelo masculino. O que esperam, no fundo, é que, pelo menos quando a gente vai falar sobre essas pessoas, que não usemos uma identidade que não lhes represente.

Linguagem inclusiva

A linguagem inclusiva busca isso. Definida também como não sexista, seu objetivo, por óbvio, é ter uma linguagem que reconheça a existência de individualidades muito específicas e não as exclua ou invisibilize – sobretudo as minorias que mais sofrem preconceito, como as pessoas trans e assexuais. Para construir essa nova forma de comunicação, escolhe na própria língua portuguesa expressões e vocábulos conhecidos.

Assim, essa linguagem se vale de termos capazes de abranger na conversa tanto pessoas que se reconhecem como do sexo masculino ou do feminino (heterossexuais ou homossexuais), bem como bissexuais, assexuais, pansexuais, pessoas não binárias ou qualquer outro indivíduo que seja representado pela sigla LGBTQIAP+. É isso que justifica o cuidado de escolher expressões como “Boa noite a todos e todas”.

Linguagem neutra

A linguagem neutra, ou não binária, por sua vez, é muito mais “militante” contra as desigualdades e invisibilidades, ousando muito mais ao propor alterações à língua culta. Trata-se daquela linguagem que neutraliza a sugestão de gênero das palavras por meio da adoção das terminações “x”, “@”, “e” e “u” no lugar de “a” e “o”, que geralmente marcam o feminino e o masculino.

É essa forma que recomenda novas grafias de palavras, como “amigxs”, “tod@s”, “todes”, “elu” ou “iles”.

Como usar uma linguagem mais inclusiva?

Há algumas dicas para adotar a linguagem inclusiva, sem prejuízo da norma culta.

É possível, por exemplo, dar preferência a palavras “neutras” que representam a coletividade, como usar “a classe”, “a turma” ou “a discência” ao invés de “os estudantes” ou “os alunos”; ou “as crianças” ao invés de “os meninos”. Cabe adotar também “pessoas beneficiárias” ao invés de “beneficiários” e “diretoria” no lugar de “os diretores”.

Vale ainda escolher substantivos que representam instituições ao invés de indivíduos: “classe política” substitui sem polêmica “os políticos”; “população indígena” dá para ser usada no lugar de “os indígenas” (lembre-se: não se usa mais “os índios”); também dá para substituir “os juízes” por “poder judiciário”.

E mais: vale tentar reformular tempos verbais nas frases como meio de driblar a armadilha de ter de usar um sujeito que marque um gênero. Diga/escreva, por exemplo, “Envie o seu case em 3 dias úteis” e não “Os candidatos devem enviar o case em 3 dias úteis”, ou ainda “Tem interesse?” no lugar de “Ficou interessado?”.

Essa forma de expressão permite ainda tirar os artigos ou pronomes que determinem gênero quando substantivos que possuem a mesma forma no masculino e no feminino no plural são usados. É permitido ainda substituir “aquele que” e “aqueles que” por “quem” ou por “as pessoas que”.

Caso tudo isso pareça muito complicado, você pode começar com uma mudança bem simples: use o feminino primeiro quando tiver as formas feminina e masculina juntas. Assim:

  • Empreendedoras e empreendedores são pessoas de coragem.
  • Investidoras e investidores apostam na queda da inflação.

Uma nova perspectiva

Usar a linguagem neutra e inclusiva representa uma mudança de perspectiva não só da linguagem, mas também da sociedade. O contexto e o ambiente em que você estiver devem ser levados em conta, mas é preciso ressaltar que sua adoção visa expressar-se sem privilegiar ninguém.

*

Quer aprofundar seus conhecimentos na língua portuguesa? Então, continue seus estudos com a Gramática On-line do Clube do Português.