Publicado em 2015, o livro “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, é uma narrativa que mistura memórias familiares e história política. Nesse contexto, a obra presta um tributo a Eunice Paiva, mãe do autor, que enfrentou com coragem o desaparecimento do marido durante a ditadura militar e, mais tarde, os desafios impostos pelo Alzheimer.
Mais do que um relato íntimo, o livro é um documento histórico que denuncia o impacto da repressão e celebra a resistência frente ao esquecimento. Por isso, seu sucesso resultou em uma adaptação cinematográfica, que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, tornando-se a primeira obra brasileira a receber a estatueta.
Por conta de seu grande destaque, a obra pode aparecer em provas de concursos, tanto na parte de Língua Portuguesa quanto na de Atualidades. Por isso, neste artigo, preparamos um resumo especial do livro para você. Confira!

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ToggleQuem é Marcelo Rubens Paiva?
Marcelo Rubens Paiva nasceu em São Paulo, em 1959, e desde cedo foi exposto a uma realidade que mesclava política, cultura e tragédias pessoais. Filho de Rubens Paiva, engenheiro e deputado federal cassado e desaparecido durante a ditadura militar, Marcelo cresceu em um ambiente marcado pela busca de justiça e pela luta contra o silêncio imposto pelo regime.
Sua vida mudou drasticamente aos 20 anos, quando sofreu um acidente ao mergulhar em um lago, o que o deixou tetraplégico. Foi durante sua recuperação que ele encontrou na escrita uma forma de reconstrução e resistência. Em 1982, publicou “Feliz Ano Velho”, um relato autobiográfico em que narra com sinceridade e humor ácido sua nova realidade após o acidente. Dessa forma, o livro tornou-se um sucesso imediato, transformando-o em um dos autores mais celebrados de sua geração e um símbolo de superação.
Ademais, Marcelo não se limitou à narrativa pessoal. Com mais de dez obras publicadas, ele explorou temas que vão da ficção distópica, como em “Blecaute” (1986), até romances sobre relacionamentos e a condição humana, como em “Malu de Bicicleta” (2003), que também foi adaptado para o cinema. Nesse sentido, seu trabalho é reconhecido pela capacidade de unir memória pessoal e história coletiva, oferecendo ao leitor um olhar crítico sobre o Brasil e suas feridas políticas.
O desaparecimento de seu pai é um eixo que atravessa muitas de suas obras, mas ele também aborda questões como amor, família e a relação entre o indivíduo e a sociedade. Segundo a pesquisadora Nátali Rocha, sua produção literária funciona como um “ato de resistência contra o esquecimento”, revelando a urgência de manter viva a memória das vítimas da repressão.
Além da literatura, Marcelo também se destacou como dramaturgo e colunista, contribuindo ativamente para o debate público.
Características literárias de Marcelo Rubens Paiva
- Autoficção: presença do “eu” narrador que mescla fatos reais com elementos ficcionais.
- Narrativa memorialística: resgate de memórias familiares e históricas, com um forte compromisso com a verdade emocional.
- Estilo direto e sarcástico: utilização de uma linguagem acessível e de um tom muitas vezes irônico para dialogar com o leitor.
- Engajamento político: abordagem de temas como a ditadura militar, repressão política e questões de justiça.
Do que trata “Ainda Estou Aqui”?
Em “Ainda Estou Aqui”, Marcelo revisita as memórias de sua família, em especial a trajetória de Eunice Paiva, mãe que precisou lidar com o desaparecimento do marido durante a repressão política e, mais tarde, com a própria luta contra o Alzheimer.
A narrativa se desenvolve a partir de dois eixos principais:
1. A luta de Eunice contra a ditadura militar
Em 1971, Rubens Paiva foi levado por agentes do regime militar e nunca mais voltou. Dessa forma, Eunice, que até então levava uma vida confortável com os filhos e o marido, viu sua vida virar de cabeça para baixo.
Diante desse contexto, ela precisou criar seus cinco filhos sozinha em meio a ameaças, vigilância constante e o silêncio imposto pelo regime. Assim, a ausência de Rubens Paiva, marcada pela falta de respostas e pelo luto não concretizado, foi uma ferida que jamais cicatrizou completamente.
Eunice tornou-se um símbolo de luta e resiliência ao transformar a dor em força, dedicando-se à preservação da memória das vítimas da ditadura militar. Por isso, sua atuação mostrou que “a memória é um ato de resistência”, como destaca a pesquisadora Nátali Rocha em sua dissertação sobre a obra.
2. O impacto do Alzheimer na família
Décadas após a perda de Rubens Paiva, a família enfrentou uma nova batalha: Eunice foi diagnosticada com Alzheimer, uma doença cruel que apaga as lembranças e a identidade de forma implacável.
Para Marcelo, foi doloroso ver a mulher forte e determinada que sempre lutou pela memória e pela verdade ser vencida pelo esquecimento. Nesse sentido, ele descreve com sensibilidade como o Alzheimer provoca uma inversão de papéis: o filho que antes recebia os cuidados da mãe agora precisava cuidar dela.
A literatura, nesse contexto, não se limita ao relato biográfico, mas funciona como um espaço de reflexão política e histórica. Segundo a pesquisadora Milena Guidio, a composição do livro de Marcelo se apoia em documentos, depoimentos e fotografias que ampliam a narrativa ao tratar a história coletiva como um “testemunho que dá forma à ausência”.
Momentos marcantes do livro
1. O desaparecimento de Rubens Paiva
Marcelo narra com detalhes o dia em que seu pai foi levado pelos agentes do regime militar. A cena descrita é marcada pela tensão e pelo silêncio ensurdecedor que tomaram conta da casa.
Esse trecho expõe a impotência diante da violência do Estado e o sentimento de abandono que se seguiu. Ao longo do livro, Marcelo reforça que a ausência do pai foi uma ferida aberta que acompanhou a família por toda a vida.
2. O diagnóstico de Alzheimer
Marcelo retrata com honestidade o momento em que Eunice foi diagnosticada com Alzheimer, transformando sua mãe forte e determinada em alguém que, aos poucos, perdia o contato com a própria história.
Além disso, ele expõe as dificuldades do dia a dia, mas também registra os raros momentos de lucidez.
3. A luta por justiça
Apesar das ameaças e das pressões, Eunice nunca desistiu de buscar respostas sobre o desaparecimento de Rubens Paiva. Por isso, Marcelo descreve com orgulho os esforços incansáveis da mãe.
Como resultado de seu trabalho, Eunice tornou-se uma referência internacional na luta pelos direitos humanos, sendo reconhecida por sua força moral e determinação.
4. As lembranças que resistem à doença
Em meio ao avanço do Alzheimer, Eunice surpreendia a família com episódios de lucidez que traziam esperança e emoção.
Essas pequenas memórias eram como faíscas que reacendiam a presença da mãe que ele conhecia, provando que, mesmo diante da doença, parte dela permanecia viva.
5. A descoberta de cartas antigas
Ao vasculhar os pertences da família, Marcelo encontra cartas trocadas entre seus pais durante os anos em que Rubens Paiva viajava a trabalho.
As cartas revelavam o quanto Rubens era apaixonado por Eunice e dedicado à família. Por isso, Marcelo percebe que seu pai não era apenas um político e mártir da história, mas também um homem que viveu intensamente cada momento com sua esposa e filhos.
6. O abraço simbólico na despedida
O autor reflete sobre a ausência de um adeus e sobre a lacuna deixada pela partida abrupta do pai.
Esse momento simboliza a necessidade de rituais de despedida e o impacto de uma perda que nunca foi completamente resolvida. Dessa forma, a ausência física do pai é transformada em um espaço de memória e resistência que permanece vivo na narrativa de Marcelo.
Por que ler “Ainda Estou Aqui”?
Aqui estão alguns motivos pelos quais você deve conhecer esta obra:
- Resgate histórico e reflexão: o livro é um relato para quem busca compreender as feridas deixadas pela ditadura militar.
- Narrativa envolvente e sensível: Marcelo Rubens Paiva transforma memórias dolorosas em um texto poético e reflexivo.
- Uma história de amor e resiliência: a relação entre Marcelo e Eunice emociona ao mostrar o poder do amor diante das adversidades.
Adaptação cinematográfica
A adaptação cinematográfica de “Ainda Estou Aqui”, lançada em 2024, foi dirigida por Walter Salles e contou com um elenco de destaque, incluindo Fernanda Torres e Fernanda Montenegro interpretando Eunice Paiva em diferentes fases da vida, além de Selton Mello no papel de Rubens Paiva.
O filme se tornou a primeira obra brasileira a ganhar um Oscar, sendo condecorado na categoria de Melhor Filme Estrangeiro em 2025.
A produção não apenas reconta a história narrada no livro, mas enriquece as emoções presentes por meio de interpretações e de uma fotografia que resgata o ambiente político e familiar da época. Nesse contexto, Um dos maiores desafios da adaptação foi traduzir para as telas a relação complexa entre memória e esquecimento, um tema central no livro.
Referências
- GUIDIO, Milena Cláudia Magalhães Santos. O direito à “outra” memória – sobre Ainda estou aqui, de Marcelo Rubens Paiva.
- ROCHA, Nátali Conceição Lima. Memórias desdobradas: o caráter autobiográfico em Ainda estou aqui de Marcelo Rubens Paiva.