“Consigo mesmo” e “a si mesmo” são pleonasmos viciosos?

É comum ouvirmos a alegação de que as expressões “consigo mesmo” e “a si mesmo” são redundantes. Afinal, bastaria dizer “a si” ou “consigo“, pois ambas as construções já trazem um valor reflexivo. Neste artigo, vamos avaliar se essa afirmação faz sentido ou se estamos diante de um mito gramatical. Confira!

"Consigo mesmo" e "a si mesmo" são pleonasmos viciosos?

Pleonasmo

Vamos direto ao ponto: “consigo mesmo” e “a si mesmo” são, de fato, expressões redundantes. Mas isso não quer dizer que estejam erradas!

Na língua portuguesa, existem dois tipos de pleonasmos: o vicioso e o de estilo.

Quando a repetição ou o reforço de um termo acontece por falta de extensão vocabular do falante ou por imprecisão no uso das palavras, estamos diante de um pleonasmo vicioso. É o caso, por exemplo, de “subir para cima” e “sair para fora”.

Em contrapartida, se o reforço tem uma função linguística ou de adorno da linguagem, estamos então diante de um pleonasmo de estilo. Nesse caso, o autor usa o recurso de forma intencional para destacar uma ideia.

As expressões em análise neste artigo se encaixam exatamente nesse segundo caso. Elas têm papel semântico fundamental nas frases. Como bem ressalta o professor Gabriel Lago, “a língua portuguesa é cheia de ênfases expressivas, repetições e reforços que dão mais peso e até harmonia à construção”.

Registro de “consigo mesmo” e “a si mesmo” entre os gramáticos

As construções sobre as quais estamos tratando aqui (ou variações delas) aparecem em diversos manuais dos mais pretigiosos estudiosos do nosso idioma, como você pode ver abaixo:

  • “…para o plural vai o demonstrativo: por si mesmos, a si próprios, de si próprias, consigo mesmas.” (Napoleão Mendes de Almeida)
  • “…a linguagem servia-se deste expediente: personalizava o objeto se era ente inanimado, e fingia-o a praticar a ação sobre si mesmo.” (Said Ali)
  • “Substantivo é a palavra com que nomeamos os seres em geral, e as qualidades, ações, ou estados, considerados em si mesmos, independentemente dos seres com que se relacionam.” (Rocha Lima)
  • “Ele guardou as frutas para si. / Ela afastou de si o cachorrinho. / João conseguiu tudo por si mesmo.”
    (Cegalla)
  • “…significa que a ação por eles enunciada se executa por si mesma no ser ao qual se refere o pronome…” (Cláudio Brandão)
  • “Portanto, guie-se pelo conhecimento adquirido no estudo da disciplina, confie em si mesmo, concentre-se na prova…” (Bechara)

Registro de “consigo mesmo” e “a si mesmo” na literatura

É importante destacar ainda que expressões como “consigo mesmo”, “a si mesmo” e variações são também muito recorrentes entre os principais expoentes da nossa literatura, como pode ser visto nos exemplos abaixo:

  • “…eram problemas que deixaria para outro dia. Agora, no estado em que se encontrava, não podia discutir nem consigo mesmo.” (Érico Veríssimo)
  • “Dizia a si mesmo: ‘Preciso falar com Netinha, explicar.'” (Nelson Rodrigues)
  • “….tornam o seu pequeno escritório num espaço multiplicado por si mesmo…” (José Saramago)
  • “… diz por si mesmo as causas do insucesso.” (Euclides da Cunha)
  • “Foi a única pilhéria que disse em toda a vida, e era tempo, porque expirou na madrugada seguinte, às quatro horas e cinco minutos, bem com os homens e mal consigo mesmo.” (Machado de Assis)

Conclusão

Em suma, embora as expressões “consigo mesmo” e “a si mesmo” apresentem uma redundância, seu uso é plenamente justificado dentro do sistema da língua, tanto pelo respaldo teórico de gramáticos renomados quanto pela recorrência na literatura de autores consagrados.

Longe de serem erros, essas construções representam pleonasmos de estilo que conferem ênfase, clareza e expressividade ao enunciado. Ignorá-las, portanto, sob o pretexto de uma economia artificial da linguagem, é desconsiderar a riqueza e a complexidade dos recursos disponíveis no português.

Portanto, em vez de evitá-las, vale compreender seu efeito e usá-las com consciência e intenção.

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