Norma culta e Norma-padrão: conceito, diferenças e polêmicas

No Brasil, chamamos de norma culta o uso da língua em situações mais formais por parte de pessoas que têm diploma de ensino superior e moram em grandes centros urbanos. Já a norma-padrão, como explica o professor Fernando Pestana, reflete os usos linguísticos previstos nas gramáticas normativas tradicionais.

Apesar de parecerem bastante técnicos, há muitas polêmicas e debates acalorados por trás desses dois conceitos. Neste artigo, vamos mostrar como se chegou a essas duas definições e o que ainda está em aberto nessas discussões. Confira!

Norma culta e Norma-Padrão: polêmicas e disputas por trás dos conceitos

Conceito de norma

Antes de qualquer coisa, precisamos entender o que signifca norma quando falamos de lingugaem. Segundo Evanildo Bechara, em sua Moderna Gramática Portuguesa, “a norma contém tudo o que na língua não é funcional, mas que é tradicional, comum e constante, ou, em outras palavras, tudo o que se diz ‘assim, e não de outra maneira'”.

Dito de outra forma, uma norma seria um parâmetro sobre o uso mais adequado de uma língua, uma espécie de manual de instruções. E é importante ter esse conjunto de regras, porque, como explicam os gramáticos Celso Cunha e Lindley Cintra, a unidade é um aspecto importante em uma língua, porque é “garantia de intercompreensão”.

Assim, se não tívessemos pontos em comum, ninguém conseguiria se entender. Seria cada um falando seu próprio idioma individual.

Norma culta: antes e depois

Durante muitos e muitos anos, o conceito de norma culta se baseou na produção dos autores mais destacados da língua portuguesa. Isso porque se acreditava, nas palavras do linguísta Eugenio Coseriu, que a língua literária representava “no grau mais alto a dimensão deôntica (o ‘deve ser’) da língua, e a gramática normativa é a manifestação metalinguística explícita desta dimensão”.

Falando de forma mais direta, a ideia é que os grandes escritores seriam capazes de extrair o que de mais sofisticado no poder expressivo do idioma. Por isso, eles deveriam ser tomados como referência de bom uso da língua.

Segundo o professor Fernando Pestana, “essa seleção da linguagem essencialmente literária se manteve parcialmente predominante até a última gramática de cunho normativo nos anos 1980”. A partir daí, houve uma grande reviravolta chamada Projeto NURC.

Projeto Norma Culta Urbana

Em 1969, teve início um grande projeto chamado Norma Culta Urbana (NURC). A proposta inicial da iniciativa, capitaneada por professores e linguista de diversas universidades públicas, era documentar e estudar a norma falada culta de cinco capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife e Porto Alegre.

Eles gravavam e transcreviam as falas de pessoas com diploma de nível superior nessas cidades em situações mais formais de comunicação.

Com esse material, o grupo coletou dados para estabelecer o que eles chamaram de norma culta real, que serviria como referência para corrigir distorções do sistema tradicional de educação brasileira.

A antiga norma culta vira norma-padrão

Como resultado do Projeto NURC, o conceito de norma culta foi reformaludo. Ele passou a indicar, como pontua Pestana, “o uso da língua (falada ou escrita) em situações mais formais de comunicação produzido e compartilhado por indivíduos de histórico e vivência urbana com diploma de nível superior”.

Já a antiga norma culta, aquela baseada na língua literária, passou a ser chamada de norma-padrão. E é ela quem serve de base para as gramáticas normativas, como bem explica Rocha Lima, em sua Gramática Normativa da Língua Portuguesa:

Fundamentam-se as regras da gramática normativa nas obras dos grandes escritores, em cuja linguagem as classes mais ilustradas põem o seu ideal de perfeição, porque nela é que se espelha o que o uso idiomático estabilizou e consagrou.

Preconceito linguístico

Os estudiosos e gramáticos que defendem a língua literária como referência maior dissem que o termo norma culta vem de quem deseja cultuar a língua, preservando e divulgando seus usos mais sofisticados.

Em contrapartida, quem se opõe a essa visão diz que esse tipo de norma cria cerca de arame farpado que separa uma pequena elite do restante da população, o que gera o chamado preconceito linguístico. Um dos críticos mais destacados dessa perspectiva literária é o linguística Marcos Bagno. Segundo o pesquisador:

É preciso distinguir a ‘norma culta’, que é a língua falada e escrita pelos brasileiros com acesso à cultura letrada, da ‘norma-padrão’, fonte de preconceito social, que não é língua de ninguém, é só um ideal de língua, cada vez mais distante e difícil de ser alcançado – quase um saber esotérico.

Para Bagno, a norma-padrão deve sim ser ensinada nas escolas, mas deve ser tratada como uma entre tantas variações da língua portuguesa. Por isso, ele defende mais diversidade no ensino do idioma no Brasil.

Por outro lado, os gramáticos que defendem a língua literária como principal fonte para a norma culta argumentam que essa modalidade foi provada pelo tempo, por escritores consagrados que dedicaram a vida ao ofício de tirar das palavras sua melhor versão e que vem sendo lidos por várias e várias gerações.

Como dissemos no início do artigo, por trás de conceitos aparentemente concensuais e neutros, há uma batalha acadêmica e ideológica quente que influencia de forma direta o ensino da língua portuguesa no nosso país.

Referências

  • Moderna Gramática Portuguesa, Evanildo Bechara, página 42;
  • Gramática Normativa da Língua Portuguesa, Rocha Lima, página 38;
  • Nova Gramática do Português Contemporâneo, Celso Cunha e Lindley Cintra, página 7;
  • O (pseudo)abismo entre norma-padrão contida nas gramáticas normativas do português e a norma culta escrita do português brasileira contemporâneo, Fernando Pestana, páginas 18, 45, 46 e 73.

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