Uma das missões mais complicadas que existem na língua portuguesa é diferenciar o “se” pronome reflexivo do “se” que é parte integrante do verbo. Como português não é uma matéria exata, essa distinção nem sempre é clara e consensual.
Há casos em que os gramáticos mais renomados atribuem classificações distintas para o mesmo registro. Eu sei, quem estuda gramática não tem um dia de paz.
Mas não se desespere! Neste artigo, traremos alguns direcionamentos práticos que vão ajudar você a distinguir esses dois conceitos. Vamos lá!

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TogglePronome reflexivo
De acordo com Celso Cunha e Lindley Cintra, “quando o objeto direto ou indireto representa a mesma pessoa ou a mesma coisa que o sujeito do verbo, ele é expresso por um pronome reflexivo“.
Essa definição já nos traz uma informação muito importante: o pronome reflexivo só aparece com verbos:
- transitivos diretos;
- transitivos indiretos;
- transitivos diretos e indiretos.
Dessa forma, não teremos pronome reflexivo acompanhando verbos intransitivos nem verbos de ligação.
Além de objeto direto e objeto indireto, o pronome reflexivo pode, como explica Amini Hauy, exercer a função de sujeito de um infinitivo. Vamos conferir um exemplo de cada caso:
- Marcos cortou-se com a faca. (objeto direto)
- Fabiana se permitiu uma vida mais leve. (objeto indireto)
- Rui deixou-se ficar na cama por mais alguns minutos naquela manhã. (sujeito de um infinitivo)
Pronome recíproco
Cunha e Cintra explicam que, quando o “se” acompanha um verbo no plural e exprime uma relação de reciprocidade, ele é chamado de pronome recíproco. Nesse caso, temos a ideia de “um ao outro”:
- Carlos e Mauro se cumprimentaram.
- Jamile e Rafael se abraçaram.
- Camila e Daniel se olharam.
Voz ativa + voz passiva analítica
Quando o “se” é pronome reflexivo ou recíproco, podemos identificar na oração tanto a voz ativa quanto a voz passiva analítica. Como assim, professor? Vamos conferir os exemplos acima para deixar isso mais claro:
Marcos cortou-se com a faca.
- Marcos cortou alguém. (voz ativa)
- Marcos foi cortado por alguém. (voz passiva analítica)
Fabiana se pemitiu uma vida mais leve.
- Fabiana permitiu algo a alguém. (voz ativa)
- Algo foi permitido a Fabiana. (voz passiva analítica)
Rui deixou-se ficar na cama por mais alguns minutos naquela manhã.
- Rui deixou alguém ficar na cama. (voz ativa)
- Ao Rui foi deixado ficar na cama. (voz passiva analítica)
Nós vamos ver daqui a pouco que essa característica não se aplica quando o “se” é parte integrante do verbo.
Parte integrante do verbo
Quando “se” for parte integrante do verbo (PIV), ele vai estar ligado a verbos intransitivos, transitivos indiretos ou verbos de ligação. Dessa forma, nunca teremos um “se” PIV conectado a um verbo transitivo direto.
Segundo Napoleão Mendes de Almeida, esses verbos são chamados de essencialmente pronominais, pois são sempre conjugados com a presença do pronome oblíquo.
Para entender melhor, vamos conjugar o verbo indignar-se no presente do indicativo:
- eu me indigno
- tu te indignas
- ele se indigna
- nós nos indignamos
- vós vos indignais
- eles se indignam
Percebeu que o pronome está sempre ali, firme e forte, grudado no verbo. Até por isso, nesse contexto, diz-se que o pronome está fossilizado.
Vale destacar que o pronome oblíquo PIV pode vir antes ou depois do verbo. Dito de maneira mais técnica, ele pode ser proclítico ou enclítico.
Como identificar o pronome parte integrante do verbo?
De acordo com Evanildo Bechara, os verbos pronominais são aqueles que indicam:
- sentimento (indignar-se, esquecer-se, atrever-se, ufanar-se, admirar-se, orgulhar-se, etc.)
- movimentos e atitudes do ser em relação a si próprio (levantar-se, sentar-se, suicidar-se, concentrar-se, precaver-se, etc.)
Decorar essas situações acima é a melhor forma de identificar quando o pronome é parte integrante do verbo. Acredite, essa informação vai salvar sua vida.
Conclusão
Em resumo, entender a diferença entre o pronome reflexivo e o pronome parte integrante do verbo pode parecer uma missão espinhosa à primeira vista, mas com atenção aos detalhes e prática, essa distinção se torna cada vez mais natural.
Saber identificar a transitividade do verbo, reconhecer quando há relação de identidade entre sujeito e objeto, ou perceber quando o pronome está fossilizado no verbo são estratégias valiosas para não cair em pegadinhas gramaticais.
Ao final das contas, dominar essas sutilezas não é apenas uma questão de acertar questões de prova, mas de enxergar com mais clareza a lógica interna da nossa língua.
Afinal, dominar as funções do “se” é dominar a estrutura e dominar a estrutura é dominar o sentido.