Aluno, forró, feito nas coxas, inhaca, enfezado — essas são apenas algumas expressões cujas origens foram completamente distorcidas pelas chamadas pseudoetimologias. Essas explicações populares, frequentemente criadas sem qualquer base científica, encantam por suas histórias sedutoras, mas escondem a verdadeira riqueza da evolução linguística.
Para falar sobre esse fenômeno e sua relação com a linguagem, a sociedade e até a política, conversamos com o professor Rafael Rigolon, doutor em Educação para a Ciência e docente no departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Viçosa.
Rigolon, apaixonado por etimologia desde sua graduação em Ciências Biológicas, compartilha sua experiência desvendando as origens reais das palavras e combatendo mitos amplamente disseminados.
Criador da página “Nomes Científicos”, ele explica como as pseudoetimologias se popularizam e reflete sobre seu impacto cultural e social. Prepare-se para explorar curiosidades e entender como a ciência das palavras ajuda a desmistificar crenças e valorizar a história da língua.
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ToggleO que são pseudoetimologias?
Clube do Português: Como você define “pseudoetimologia” e quais são os exemplos mais comuns que encontra em seu trabalho?
Rafael Rigolon: Pseudoetimologia, paretimologia, etimologia popular, etimologia ‘freestyle’ ou, como gosto de chamar, etimologia de boteco é a explicação duma palavra ou expressão sem evidências, geralmente feita por inferência intuitiva ou calcada numa historieta atrativa, porém fantasiosa.
São bons exemplos pseudoetimológicos as explicações de que ‘aluno’ significaria originalmente ‘sem luz’, ‘forró’ viria do inglês ‘for all’ e ‘feito nas coxas’ teria origem na produção artesanal de telhas por escravos.
Como nascem e se espalham as pseudoetimologias?
Clube do Português: Em sua opinião, por que as pseudoetimologias se disseminam tão facilmente nas redes sociais e na internet em geral?
Rafael Rigolon: As pseudoetimologias têm grande disseminação nas redes sociais porque se beneficiam dum ambiente em que as fontes nunca são requeridas e qualquer influenciador se sente confiante para reproduzir inescrupulosamente qualquer informação sem temer qualquer represália.
Aliado a isso, geralmente, as pseudoetimologias se apresentam como histórias sedutoras, fantásticas, causando reações de espanto e admiração. No mais, podem ser úteis a propósitos de censura de palavras em prol dalguma causa.
Língua e militância política
Clube do Português: Qual a relação das pseudoetimologias com a militância política?
Rafael Rigolon: Qualquer ideologia conta com um rol de palavras e expressões que lhes são características e, ao mesmo passo, de termos que costumam ser evitados.
As pseudoetimologias têm sido usadas para censurar palavras e, assim, forçar os indivíduos a obedecerem ao vocabulário próprio de determinada militância. O objetivo está mais no poder sobre o uso do vocabulário do que uma preocupação genuína com a história dos termos.
Não importa se determinado vocábulo tem ou não origem com significado verdadeiramente reprovável; se o grupo afirmou que determinada palavra é ‘non grata’, quem é partidário precisará aboli-la.
Expressões racistas na Língua Portuguesa
Clube do Português: O senhor acredita que existam realmente palavras e expressões racistas ou preconceituosas na Língua Portuguesa?
Rafael Rigolon: Sim, elas existem. Há palavras e expressões que existem unicamente com sentido pejorativo. É o caso, por exemplo de ‘baianagem’, ‘serviço de preto’ e ‘não sou (das) tuas negas’.
O preconceito, no entanto, se dá pelo seu significado atual e a referência direta a um determinado grupo minoritário, não por sua etimologia. Quando a palavra é polissêmica (tem mais de um sentido), entretanto, é preciso se considerar o contexto e a intenção de quem a fala.
Por exemplo, ‘bichinha’, isoladamente, não tem bom ou mau sentido. Em “minha égua é uma bichinha (animal do sexo feminino) mansa” não há qualquer intenção insultuosa; em “aquele seu amigo é uma bichinha (indivíduo efeminado)”, temos um tom depreciativo.
Curiosidades etimológicas
Clube do Português: Poderia compartilhar algum exemplo curioso de uma palavra cuja etimologia real difere significativamente da explicação popular?
Rafael Rigolon: Sim, é o caso de ‘inhaca’ ou ‘nhaca’. É um termo que significa ‘fedor exalado por pessoa ou animal’ e que tem origem tupi, vem de ‘iyakwa’, que significa ‘com odor’.
Uma pseudoetimologia bastante difundida, infelizmente, liga a palavra à região de Nhaca, de Moçambique, donde teriam vindo africanos como escravos para o Brasil.
Outro exemplo e ‘enfezado’, que a etimologia popular liga a ‘fezes’, no sentido de se estar irritado por conta de constipação intestinal. O termo, porém, vem do latim ‘infensatum’, que significa ‘hostil’.
Resumo da entrevista
- Definição de pseudoetimologia: explicações populares e fantasiosas sobre a origem de palavras, sem embasamento científico.
- Disseminação nas redes: pseudoetimologias se espalham por histórias atraentes e pela falta de verificação de fontes.
- Ligação com a política: palavras são censuradas para impor vocabulário alinhado a ideologias.
- Expressões racistas: algumas palavras de fato têm conotações preconceituosas, mas o contexto e a intenção são cruciais.
- Curiosidades etimológicas: vocábulos como “inhaca” (origem tupi) e “enfezado” (do latim “hostil”) desmentem explicações populares.