Antigamente, para exprimir obrigação ou necessidade, só podíamos utilizar “ter de“. Assim, usar “ter que” nessa situação configurava um erro. Contudo, hoje em dia, isso mudou completamente!
Vários estudiosos de peso da língua portuguesa afirmam que as duas expressões – “ter de” e “ter que” – podem ser utilizadas para o mesmo fim: expressar obrigatoriedade ou exigência. Neste artigo, vamos analisar esse tópico em detalhes. Confira!

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Alguns estudiosos da língua portuguesa, como Napoleão Mendes de Almeida, Antônio Henriques e Maria Margarida de Andrade, defendem que, quando queremos expressar uma obrigação ou uma necessidade, só podemos utilizar “ter de“:
- O professor tinha de terminar de corrigir as provas até o dia 30.
Atualmente, contudo, essa visão perdeu força. Agora, a maioria dos gramáticos já aceita e abona o uso também do “ter que” nesse contexto. Então, você pode usar as duas formas sem peso na consciência.
Domingos Paschoal Cegalla, em seu Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, diz: “não constitui erro usar ‘ter que’ (…), pois tal sintaxe já se incorporou ao português de hoje”.
Na mesma linha, Evanildo Bechara, em sua Moderna Gramática Portuguesa, registra que “em vez de ‘ter ou haver de’ + infinitivo, usa-se ainda, mais modernamente, ‘ter ou haver que’ + infinitivo”.
O gramático ressalta ainda que, nessa situação, o “que, como índice de complemento de natureza nominal, funciona como verdadeira preposição“.
Outro que faz parte do time que aceita as duas expressões é Celso Pedro Luft. Em seu Dicionário Prático de Regência Verbal, ele traz o seguinte: “ter de, que + infinitivo indica necessidade, obrigação ou dever”. O autor ainda complementa: “o uso atual mostra esse ‘ter que’ amplamente consagrado, ficando ‘ter de’ mais restrito à escrita formal”.
Esse posicionamento é seguido por muitos outros estudiosos, a exemplo de Édison de Oliveira, Arnaldo Nisker e Adalberto J. Kaspary.
Vale ressaltar, no entanto, que a maior parte dos autores recomenda o uso preferencial de “ter de” em textos mais formais. Então, fica aí a dica!
Uso de “ter que” na literatura
É importante destacar que vários autores consagrados da literatura em língua portuguesa já usaram “ter que” para expressar obrigatoriedade ou necessidade:
- Se não fosse ter que deixar o irmão só, levaria o menino para Goiana, para lhe dar mais educação. (José Lins do Rego)
- Agora vosmecê é que vai ter que lhe tirar essa desconfiança espantada, de novo. (Rachel de Queirós)
- Tomara ser bem mandada, não ter que decidir, descansar num marido sensato. (Thomaz de Figueiredo)
- Sabina ficou na Urca; seria um despropósito ter que descer de trenzinho quando a cunhada já se contorcesse com dores. (José Geraldo Vieira)
- Nem tu imaginas quanto me custa ter que dizer-te estas coisas. (Manuel da Fonseca)
Ter + que pronome relativo
Peço agora sua atenção, porque este tópico é muito importante. Muito mesmo! Há casos em que só podemos utilizar “ter que“. Isso ocorre quando “que” é pronome relativo. Nesses casos, em geral, a expressão “muita coisa” está implícita.
Para entender melhor, vamos conferir alguns exemplos:
- Tenho muito que fazer.> Temos muita coisa que fazer.
- Ele tinha muito que dizer, mas preferiu ficar calado. > Ele tinha muita coisa que dizer, mas preferiu ficar calado.
Você viu que nas duas frases, o “que” retoma o termo que vem antes dele? É isso que o torna um pronome relativo e que impede sua substituição por “de”.
Resumo da ópera
Embora a forma tradicionalmente recomendada para indicar obrigação seja “ter de“, o uso de “ter que” já está amplamente consolidado na língua portuguesa contemporânea, inclusive na literatura.
A maioria dos gramáticos modernos reconhece essa variação como legítima, ainda que sugiram a preferência por “ter de” em contextos mais formais.
Além disso, há situações em que apenas “ter que” é possível, como nos casos em que o “que” funciona como pronome relativo.
Assim, mais do que uma regra rígida, a escolha entre as duas expressões deve considerar o grau de formalidade do texto e a função sintática do termo “que” na frase.