“A-do-le-tá/ Le peti, peti polá/ Le café com chocolá/ Puxa o rabo do tatu/ Quem saiu foi tu.” Se você reconheceu esses versos, provavelmente sua infância foi marcada por tardes de brincadeiras de roda e jogos de bate-mão. Entre tantas cantigas infantis que atravessaram gerações, “Adoleta” é uma das mais conhecidas, e também uma das mais misteriosas quanto à sua origem.
Muitos acreditam que a canção é francesa, justamente pela sonoridade “estrangeira” de trechos como “le peti, peti polá”. Mas será mesmo? Neste artigo, vamos mergulhar na história dessa canção! Vejamos!
A herança francesa dos jogos de mão
Segundo o linguista e pesquisa Rafael Rigolon, todos os países têm seus próprios jogos de mão, parlendas e canções de ninar, mas a França se destaca por ter um repertório tradicional riquíssimo, documentado desde o século XII. Lá, a brincadeira é conhecida como “jeu de main, jeu de vilain” — literalmente, “jogo de mão, jogo de vilão”.
“Os vilões eram os plebeus, os que viviam nas vilas; por não terem brinquedos, contentavam-se com brincadeiras que usavam apenas as mãos”, explica o professor.
Essa tradição oral acabou se espalhando pelo mundo, adaptando-se às línguas locais — e foi assim que o “un, deux, trois” (um, dois, três) francês pode ter se transformado no nosso “adoletá”.
Do “un, deux, trois” ao “adoletá”
A hipótese mais aceita é que a palavra “adoleta” seja uma distorção fonética da expressão francesa “un, deux et trois”, pronunciada algo como /ãn do e troá/.
Nesse contexto, Rigolon observa que essa transformação não é um caso isolado: “Foi no estropiamento da pronúncia desses números que obtivemos também o nosso ‘uni-duni-tê’, seguido de um misterioso ‘salamê minguê’.”
A brincadeira portuguesa “um-do-li-tá” e variações como “am-dó-li-tó” reforçam essa conexão entre as versões francesa, europeia e brasileira.
As pistas no folclore francês
No livro Le catalogue de la chanson folklorique française (1977), o pesquisador Conrad Laforte reúne antigas cantigas que podem ter inspirado a nossa versão brasileira. Entre elas:
- “Un, deux, trois, pour Eloi” – (um, dois, três, para Eloi);
- “Un, deux, trois, les petits soldats” – (os pequenos soldados);
- “Un, deux, trois, soldat de chocolat” – (soldado de chocolate).
Rigolon observa que o verso “le café com chocolá” pode ter origem nesse último título: “Em francês, se o significado fosse ‘o café com chocolate’, seria ‘le café au chocolat’. A preposição ‘com’ é coisa nossa — assim como a parte de ‘puxar o rabo do tatu’.”
O “francês macarrônico” das crianças
Diante da forte influência cultural francesa sobre Portugal e Brasil, muitas canções atravessaram fronteiras, mas com pronúncias modificadas, esquecidas e reinventadas.
Assim, a “Adoleta” que conhecemos hoje é um mosaico linguístico formado por séculos de transmissão oral, trocas culturais e criatividade infantil. A melodia, os sons e o ritmo sobreviveram; as palavras, não necessariamente.
Conclusão
Adoleta é mais do que uma simples cantiga, é um vestígio vivo da tradição oral que uniu culturas, línguas e gerações. Mesmo sem sabermos ao certo de onde veio, o fato de ainda ser cantada por crianças mostra a força das brincadeiras que atravessam o tempo sem precisar de explicação.