Como dominar a discursiva para a Câmara dos Deputados

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Altos salários, boa qualidade de vida, reconhecimento profissional. Essas e outras vantagens tornam o concurso da Câmara dos Deputados um dos mais disputados do país. No entanto, um dado chama a atenção: 85% dos candidatos aprovados na prova objetiva do último concurso foram eliminados na discursiva.

Para entender o que explica esse número e como se preparar de forma eficiente para não fazer parte dessa triste estatística, entrevistamos os Consultores Legislativos Thiago Melo e Ludimila Lamounier, referências nacionais em provas discursivas para concursos.

Ao longo da conversa, eles apontaram os principais erros cometidos pelos candidatos — como a falta de treino estruturado e o excesso de confiança — e mostraram como a redação pode ser usada como ferramenta de aprendizado ativo, capaz de reforçar o estudo teórico. Eles defendem ainda que a aprovação começa pela prática constante e orientada da escrita. Confira abaixo a entrevista completa!

85% de eliminação nas discursivas

Clube do Português: Na última prova para Analista de Processo Legislativo, 85% dos aprovados na objetiva foram eliminados na discursiva. O que explica esse índice tão alto? Falta de treino? Desconhecimento do tema cobrado? Excesso de confiança?

Ludmila Lamounier e Thiago Melo: O índice de eliminação de 85% na prova discursiva da Câmara dos Deputados para o cargo de Analista Legislativo Processo Legislativo e Gestão (antigo Analista Técnica Legislativa), em 2023, revela um conjunto de fatores que vão além da simples falta de conhecimento do tema. 

Na nossa opinião, o principal motivo é a falta de treino estruturado na escrita, além da devida orientação que esse treino requer, especialmente para os dias atuais, quando ninguém mais está acostumado a escrever à mão

Muitos candidatos estudam intensamente para a prova objetiva, memorizando leis e teorias, fazendo as questões de concursos passados, mas não treinam a discursiva dentro do formato exigido pela banca. 

A discursiva cobra não apenas o domínio do conteúdo, mas a capacidade de organizá-lo em estrutura textual adequada, com coesão, concisão, objetividade, coerência e clareza. Saber a matéria é bem diferente de saber escrever bem sobre a matéria. São tipos de conhecimento completamente diferentes.

Nesse sentido, vemos, em parte dos candidatos, um excesso de confiança no estudo da matéria objetiva e uma grande negligência com as provas discursivas como obstáculos significativos à conquista de um cargo público. 

Alguns candidatos subestimam a prova discursiva, pois acreditam que o domínio do conteúdo da objetiva é suficiente para improvisar uma redação na prova discursiva. 

Entretanto, o avaliador busca um texto técnico, feito de acordo com as regras da língua portuguesa, com domínio de linguagem e gramática, e precisão conceitual. 

Além disso, cada banca tem um estilo de avaliação diferente e o candidato precisa estar preparado também para essa variável.

Não menos importante, há também o fator psicológico. Durante a prova, o nervosismo e a pressão do tempo fazem com que o candidato não organize o raciocínio antes de escrever, inicie o texto sem planejamento, não controle o tempo de prova disponível e, muitas vezes, deixe a resposta mal elaborada ou incompleta. O avaliador identifica rapidamente quando o texto é improvisado.

Destacamos que a questão do treino bem orientado é crucial. O nosso aluno que conseguiu a maior nota na discursiva no último concurso da Câmara para Analista (33 pontos em 35 pontos possíveis) e conquistou o primeiro lugar geral em 2023 fazia três redações por semana, todas as semanas, desde o dia em que o concurso foi autorizado (maio de 2023). 

As correções são a parte preciosa desse treino, pois nelas somos capazes de resolver as dúvidas e dar orientações individualizadas para que a redação esteja no nível de aprovação de um concurso do porte da Câmara dos Deputados.

Portanto, o alto índice de reprovação se explica por uma combinação de fatores: falta de treino regular de redação, desconhecimento da estrutura exigida pela banca, dificuldade de organizar ideias, desconhecimento do tema e excesso de confiança no conhecimento do conteúdo das provas objetivas. O desempenho discursivo depende tanto do conhecimento quanto da prática constante da escrita.

Perfil das provas discursivas da Câmara dos Deputados

Clube do Português: Em termos de nível de exigência, como você compararia a prova discursiva da Câmara dos Deputadoscom outros concursos, como TCU, tribunais e CGU, por exemplo?

Ludmila Lamounier e Thiago Melo: Quanto ao nível de exigência, a prova discursiva da Câmara dos Deputados (realizada no último concurso pela banca FGV) se distingue de outros grandes certames — como os da Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria‑Geral da União (CGU) ou dos tribunais federais e regionais — não apenas pela matéria, mas pela exigência de domínio técnico, formação institucional e estrutura de redação. 

A discursiva da Câmara costuma exigir gênero dissertativo, com redações variando entre 30 e 45 linhas e com temas relacionados à atuação da Casa. 

Nesse sentido, essa prova exige saber não apenas “o que dizer”, mas “como dizer”. Já a prova discursiva da TCU, embora também de nível muito elevado, tem outro perfil: costuma exigir questões curtas e uma peça técnica — simulando entregáveis de auditoria ou controle externo — e valoriza síntese, priorização e adequada produção em limite de linhas. 

A CGU, por sua vez, apresenta exigência alta com uma dissertação longa + uma questão curta: foco em políticas públicas, auditoria, integridade e controle interno, com cobertura ampla e argumentação densa, mas em formato mais acadêmico-técnico do que institucional-dissertativo. 

Já os concursos de tribunais apresentam, em geral, exigência moderada a alta, com uma questão discursiva principal, mais direta, voltada à fundamentação jurídica, menos ritualística e menos “produtiva” no formato de peça institucional. 

Em resumo, pela especificidade institucional, pela formalidade e pelo nível de detalhe requerido, a discursiva da Câmara está entre as mais exigentes do País, ao mesmo tempo em que seu perfil é distinto dos perfis do TCU, CGU ou tribunais.

Por isso, quem prestará a prova da Câmara não pode simplesmente ver o conteúdo da objetiva: precisa treinar à exaustão a produção de textos, entender o formato da redação e produzir dentro dos padrões da banca.

Quando estudar para provas discursivas?

Clube do Português: Muitos candidatos estudam apenas para a objetiva e deixam a discursiva para depois. Isso é um erro? Qual o momento certo de inserir o treino de redação no cronograma?

Ludmila Lamounier e Thiago Melo: Sim, é um erro, e dos mais graves. O estudo e a prática da redação devem começar desde a primeira semana de preparação. 

A prova discursiva não é um complemento da objetiva; ela é parte integrante da nota final e, muitas vezes, o verdadeiro diferencial entre a aprovação e a eliminação. 

No concurso da Câmara dos Deputados, por exemplo, centenas de candidatos com excelente desempenho nas objetivas ficaram de fora justamente por não terem se preparado adequadamente para a prova discursiva.

Nossa recomendação é clara: escreva pelo menos uma redação por semana, desde o início da jornada. Um bom formato é dedicar-se ao estudo teórico das disciplinas de segunda a sexta-feira e, no sábado, produzir uma redação de aproximadamente 30 linhas sobre algum tema que tenha sido estudado naquela semana. 

Essa prática transforma o aprendizado teórico em raciocínio estruturado e consolida o conteúdo na memória de longo prazo.

Muitos candidatos acreditam que devem primeiro dominar todo o conteúdo programático para só depois começar a escrever. Esse é um equívoco muito grande. 

A redação não é apenas uma forma de avaliação, é também uma poderosa ferramenta de estudo e fixação para as objetivas. 

Quando o aluno escreve sobre um tema, ele precisa organizar as ideias, selecionar argumentos, sintetizar conceitos e aplicar o que aprendeu. Esse processo mental ajuda a compreender melhor a matéria, a fixar informações e a identificar lacunas de conhecimento. Em outras palavras, treinar a discursiva é também estudar para a objetiva.

Além disso, começar cedo traz um benefício psicológico importante: reduz a ansiedade diante da escrita. Quanto mais cedo o candidato se acostuma a produzir textos sob temas diversos, mais natural e segura se torna a escrita no dia da prova. 

A prática constante elimina o medo da folha em branco e dá ao candidato uma vantagem significativa sobre aqueles que deixam o treino para a reta final, ou pior, sequer se preparam para a discursiva, confiando cegamente apenas no estudo para a objetiva. 

Por mais incrível que possa parecer, o primeiro texto dissertativo que muitos candidatos vão escrever, durante meses ou até anos de estudo, vai ser justamente a prova discursiva, no dia do concurso. 

E então, uma prova que pode, literalmente, mudar a vida e o destino do candidato e de toda a sua família acaba sendo feita sem qualquer preparação, de improviso, no próprio dia do concurso, com a sala lotada, tempo contado e o fiscal de prova caminhando pela sala.

Portanto, o momento certo de inserir o treino discursivo é agora, no mesmo instante em que o candidato começa a estudar para a objetiva. 

Modelos prontos: usar ou evitar?

Clube do Português: Você recomenda estudar modelos prontos de respostas (as chamadas “redações nota máxima”)? 

Ludmila Lamounier e Thiago Melo: O estudo de redações nota máxima pode ser útil, desde que o candidato compreenda o verdadeiro propósito desse tipo de material. 

Modelos prontos, elaborados por professores especializados, servem como referência para que o aluno entenda a estrutura, o encadeamento das ideias e o nível de argumentação exigido em uma prova discursiva. 

No entanto, é um erro comum acreditar que apenas ler ou decorar essas respostas seja suficiente para obter bom desempenho. O modelo deve orientar, não substituir o treino efetivo de escrita.

A produção textual, especialmente em concursos de alto nível como o da Câmara dos Deputados, exige prática constante, domínio do conteúdo e capacidade de articular ideias de forma clara e coesa. 

Nenhum candidato aprende a redigir bem apenas observando exemplos prontos. É preciso exercitar a escrita, revisar os próprios textos, compreender as correções e aprimorar a argumentação. Assim como um atleta precisa treinar para competir, o concurseiro precisa escrever para desenvolver técnica e segurança.

Outro erro recorrente é o uso de modelos prontos de “preencher lacunas”, muito comuns em cursinhos e plataformas de redação. Esses formatos engessados acabam comprometendo a originalidade e a autenticidade do texto. 

O examinador, acostumado a corrigir centenas de provas, rapidamente percebe quando o candidato apenas reproduziu frases decoradas, sem demonstrar real compreensão do tema. A tentativa de “enganar” a banca, portanto, é ineficaz e pode até reduzir a nota por falta de autoria e consistência argumentativa. 

Ainda há um outro problema além desse. As bancas, principalmente a FGV, já estão começando a proibir esse uso de “modelo pronto de preencher lacunas” e estão deixando bem claro nos editais sobre desclassificação do candidato que fizer isso. 

Além disso, chamamos atenção para o fato de que olhar a resposta antes de produzir o próprio texto prejudica o aprendizado. Ao fazer isso, o estudante deixa de desenvolver raciocínio autônomo e senso crítico — habilidades que o avaliador busca identificar. O ideal é primeiro elaborar a redação de forma independente e, só depois, comparar com o modelo nota máxima para identificar acertos e pontos de melhoria.

Portanto, os modelos de redação devem ser encarados como instrumentos de apoio, não como atalhos. Eles auxiliam o candidato a compreender o padrão de excelência, mas o verdadeiro progresso vem da prática, da reflexão e da capacidade de escrever com autenticidade e sabedoria. Em síntese, estudar modelos pode ajudar, desde que o foco principal continue sendo o treino e o desenvolvimento pessoal na escrita.

Prova discursiva x Prova objetiva

Clube do Português: Como o candidato pode transformar o estudo da objetiva em insumo para a discursiva da Câmara dos Deputados? Existe uma forma prática de aproveitar as anotações, resumos e mapas mentais para escrever melhor?

Ludmila Lamounier e Thiago Melo: Sim. O estudo da prova objetiva pode — e deve — ser transformado em insumo direto para o desenvolvimento da escrita discursiva. 

A chave está em compreender a diferença entre o estudo passivo e o estudo ativo. No estudo passivo, o candidato apenas lê, sublinha e revisa conteúdos de forma mecânica. A maioria dos candidatos acredita que apenas a exposição repetida ao material será suficiente para fixar o conhecimento e trazer bons resultados na discursiva, mas os 85% de eliminados no último concurso da Câmara são prova de que esse método não funciona.

No estudo ativo, por outro lado, o aluno produz, explica, organiza e reformula o conteúdo com suas próprias palavras. É exatamente nesse ponto que o treino discursivo se torna o elo perfeito entre o aprendizado teórico e o domínio prático exigido pela prova.

Ao escrever sobre os temas estudados, o candidato é forçado a buscar o conhecimento na memória de longo prazo, organizar as ideias, selecionar os argumentos mais relevantes e conectá-los com clareza e coerência — ou seja, ele transforma o conteúdo em raciocínio. 

Essa busca ativa das informações na mente é o que consolida de forma definitiva o aprendizado na memória. Por isso, o ideal é que o candidato escreva pelo menos uma redação por semana. Se puder fazer de duas a três redações por semana, melhor ainda. Esse treino semanal deve sempre ser feito com base nas matérias e temas que o candidato estiver estudando para a objetiva.

Além disso, é fundamental que essas redações sejam feitas sem consulta a materiais, anotações ou resumos. Isso força o cérebro a “procurar” o conteúdo internamente, o que aumenta exponencialmente a fixação da informação. 

O mesmo princípio é utilizado em técnicas avançadas de aprendizado ativo — quanto mais esforço mental o aluno faz para lembrar algo, mais forte se torna a memória e mais natural será o uso daquele conteúdo no momento da prova, tanto objetiva quanto discursiva.

O candidato pode, sim, usar seus resumos, fichamentos e mapas mentais, mas não como muleta durante a escrita. O papel desses materiais é servir de fonte de temas e inspiração para a produção de textos. Eles devem orientar o que escrever, não como escrever. 

Por exemplo: se o candidato estudou na semana o tema “Competências constitucionais do Congresso Nacional”, pode transformar esse conteúdo em proposta de redação e desenvolver um texto explicando as principais competências legislativas e fiscalizatórias, relacionando-as com o papel institucional da Câmara dos Deputados. 

Assim, ele revisa o conteúdo e, ao mesmo tempo, treina a escrita no formato da banca. E com esse exemplo eu já deixo um primeiro tema de redação para os leitores começarem os treinos de discursivas.

Por fim, e tão importante quanto as dicas anteriores, é necessário que o candidato procure um profissional para corrigir algumas redações e dar um feedback personalizado sobre os textos produzidos. 

Sem essa visão externa, o aluno pode ter a ilusão de que está escrevendo muito bem, quando muitas vezes está cometendo erros básicos. Vemos isso constantemente nos textos dos alunos que contratam nossas correções individuais. 

Mas temos também uma alternativa para os alunos que eventualmente não disponham de recursos para contratar correções individuais. No nosso pacote de temas inéditos, cada tema proposto vem acompanhado de uma redação modelo nota máxima. Dessa forma, o candidato vai poder escrever sobre temas com grande potencial de serem cobrados no dia da prova. E, nesse aspecto, cabe lembrar que nós acertamos o tema do último concurso da Câmara. Mas, com as redações modelo, o candidato vai ter uma referência para comparar com a própria redação e, assim, vai ter uma noção aproximada do que está fazendo de errado e onde pode melhorar. 

Gostaríamos de fechar com uma metáfora. Costumamos fazer uma comparação que ilustra bem o estudo para as provas discursivas: aprender a escrever bem é como aprender a nadar ou a andar de bicicleta. 

O candidato pode ler todos os livros existentes sobre natação ou ciclismo, assistir a vídeos, decorar técnicas e entender na teoria como cada movimento deve ser executado. Contudo, nenhum desses conhecimentos vai fazer muita diferença na hora de entrar pela primeira vez em uma piscina ou subir pela primeira vez em uma bicicleta. 

Escrever, nadar e andar de bicicleta são habilidades e, portanto, dependem diretamente de prática, não apenas de estudo. Escrever é uma habilidade que não se conquista apenas com conhecimento teórico. Habilidades só se desenvolvem com repetição, correção, orientação e constância.

Por isso, a melhor forma de integrar o estudo da objetiva e da discursiva é transformar o conteúdo estudado em exercício prático

Estudar para a objetiva alimenta a discursiva; treinar a discursiva fortalece o domínio da objetiva. Quando o candidato une essas duas dimensões, ele não apenas memoriza o conteúdo, ele aprende a pensar, a organizar e a se expressar como um candidato competitivo, pronto para defender suas ideias com clareza, técnica e profundidade.

Não sabemos ainda quem serão os aprovados no próximo concurso, mas já temos uma certeza inescapável: os nomes que aparecerão no topo da lista final de aprovados – os nomes dos futuros servidores da Câmara dos Deputados – serão os daqueles que se dedicaram às discursivas desde o início da preparação.

Conheça melhor os entrevistados

Thiago Melo é Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e tem ampla experiência na preparação de candidatos para concursos públicos. Autor do livro Diário do Concurseiro, atua há anos orientando estudantes na elaboração de provas discursivas, com foco em argumentação, estrutura textual e clareza na escrita. Já acompanhou diversos candidatos aprovados nas primeiras colocações em concursos de alto nível, destacando-se pelo método prático e pela atenção ao desenvolvimento individual da escrita.

Ludimila Lamounier é Consultora Legislativa da Câmara dos Deputados e especialista em provas discursivas. Obteve nota máxima na redação do concurso em que foi aprovada para o cargo de Analista Legislativo, em 2012. Com mais de uma década de experiência como professora, dedica-se a orientar candidatos na construção de textos técnicos e bem estruturados, sempre alinhados ao perfil das bancas. Sua abordagem combina didática clara e foco no que realmente é cobrado nas avaliações.