Conflitos são parte essencial de toda narrativa. Seja em uma batalha entre heróis e vilões seja em empreitadas de amantes proibidos desafiando barreiras sociais, o conflito literário impulsiona a trama e intensifica o envolvimento do leitor.
Neste artigo, exploraremos os sete tipos principais de conflito na literatura, destacando suas características, exemplos e como utilizá-los para enriquecer suas histórias. Também vamos analisar uma questão de concurso para ver como tema é cobrado pelas bancas. Confira!
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ToggleO que são conflitos literários?
Um conflito literário é o embate entre duas forças opostas, geralmente envolvendo o protagonista e uma força interna ou externa, que guia o enredo e antecede o climáx da narrativa. Nesse sentido, eles revelam motivações, pontos fortes e fraquezas dos personagens, além de criar a tensão que prende o leitor.
Categorias de conflito
Os conflitos literários podem ser classificados em duas categorias principais:
- Conflitos Internos: ocorrem dentro do protagonista, envolvendo dilemas emocionais ou psicológicos.
- Conflitos Externos: surgem entre o protagonista e forças externas, como outros personagens ou a sociedade.
Essas duas categorias se subdividem em 7 diferentes tipos de conflito. Vamos conhecer cada um deles!
7 tipos de conflito literário
1. Pessoa x Pessoa
Também conhecido como protagonista versus antagonista, este é o tipo mais comum. Nesse sentido, a tensão nasce do embate entre os objetivos opostos de dois personagens.
Exemplo: Na obra O Cortiço, de Aluísio Azevedo, vemos conflitos entre personagens que refletem questões de classe e ambição. A rivalidade entre João Romão e Miranda exemplifica bem esse tipo de conflito.
2. Pessoa x Si mesmo
Aqui, o personagem enfrenta dilemas internos, como dúvidas ou traumas. Dessa forma, esse tipo de conflito resulta em uma transformação pessoal.
Exemplo: Em Dom Casmurro, Bentinho luta consigo mesmo, atormentado pelo ciúme e pela dúvida em relação à fidelidade de Capitu.
3. Pessoa x Natureza
Esse conflito externo coloca o protagonista contra forças naturais ou ambientes inóspitos. Assim, há um cenário que confronta a pequenez e a coragem do personagem com a magnitude e o poder da natureza.
Exemplo: No poema O Navio Negreiro, de Castro Alves, o mar é um elemento que intensifica o sofrimento dos escravizados, simbolizando a força brutal da natureza.
4. Pessoa x Sociedade
Este conflito surge quando o protagonista desafia normas, tradições ou estruturas sociais. Nesse contexto, o personagem é visto como um agente de mudança que trabalha em prol de uma sociedade mais justa e livre ou como uma vítima de uma estrutura social corrompida.
Exemplo: Vidas Secas, de Graciliano Ramos, apresenta a luta de uma família contra a opressão social e a seca, expondo críticas à sociedade da época.
5. Pessoa x Destino
Esse tipo aborda o confronto do protagonista com o destino ou uma força maior, como o acaso ou a predestinação.
Exemplo: Em Iracema, de José de Alencar, o destino trágico dos personagens é traçado pela inevitabilidade do encontro entre culturas distintas.
6. Pessoa x Sobrenatural
Neste conflito, o personagem enfrenta entidades ou forças sobrenaturais, como espíritos ou monstros.
Exemplo: O Alienista, de Machado de Assis, aborda conflitos com elementos quase metafísicos ao questionar a loucura e a sanidade.
7. Pessoa x Tecnologia
Esse tipo, mais recente, foca no embate entre humanos e avanços tecnológicos. Nesse sentido, esse tipo de tensão é muito presente, por exemplo, em obras do gênero Cyberpunk, que se desenvolvem em geral em cenários futuristas e distópicos e representam a disputa entre homens e máquinas.
Exemplo: Na obra A Máquina do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade, a tecnologia é vista como um contraste à reflexão filosófica e ao humano.
Como identificar conflito literário na literatura?
- Interno ou Externo?
Determine se o embate ocorre dentro do protagonista (interno) ou envolve forças externas (externo).
Exemplo: Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, os conflitos internos de Brás revelam suas frustrações e arrependimentos. - Identifique a Força Opositora
Analise quem ou o que impede o protagonista de alcançar seus objetivos.
Exemplo: Em Capitães da Areia, os personagens enfrentam tanto conflitos internos (amadurecimento) quanto externos (sociedade repressiva). - Considere o Tema
Temas muitas vezes refletem o conflito central.
Exemplo: Em Grande Sertão: Veredas, o tema da luta contra o destino permeia o embate de Riobaldo com questões existenciais.
Tabela Resumo dos tipos de conflito literário
Tipo de Conflito | Exemplo Literário | Descrição |
---|---|---|
Pessoa x Pessoa | O Cortiço | Rivalidade entre personagens com objetivos opostos. |
Pessoa x Si Mesmo | Dom Casmurro | Protagonista enfrenta dilemas internos. |
Pessoa x Natureza | O Navio Negreiro | Personagem luta contra forças naturais. |
Pessoa x Sociedade | Vidas Secas | Protagonista desafia normas sociais. |
Pessoa x Destino | Iracema | Enfrentamento do personagem com o destino inevitável. |
Pessoa x Sobrenatural | O Alienista | Conflito com forças metafísicas ou sobrenaturais. |
Pessoa x Tecnologia | A Máquina do Mundo | Embate com avanços tecnológicos ou invenções humanas. |
Por que conflitos são essenciais?
Conflitos são a essência da narrativa, porque eles:
- Revelam motivações e camadas dos personagens.
- Criam tensão e engajamento.
- Levam o leitor a refletir sobre questões mais amplas.
Ao compreender e aplicar esses tipos de conflito, sua escrita pode alcançar novos níveis de profundidade e complexidade.
Questão de concurso sobre conflito literário
Para fechar este artigo, vamos conferir uma questão de concurso que aborda a temática dos conflitos.
IBFC – 2024 – MGS – Cargos de Nível Médio
Texto – Pescadores (Carlos Drummond de Andrade)
Domingo pede cachimbo, todo domingo aquele esquema: praia, bar, soneca, futebol, jantar em restaurante. Acaba em charuta. Os quatro jovens executivos sonhavam com um programa diferente.
– Se a gente desse uma de pescador?
– Falou.
Muniram-se do necessário, desde o caniço até o sanduíche incrementado, e saíram rumo à praia mais deserta, mais piscosa, mais sensacional.
Lá estavam felizes da vida, à espera de peixe. Mas os peixes, talvez por ser domingo, e todos os domingos serem iguais, também tinham variado de programa – e não se deixavam fisgar.
– Tem importância não. Daqui a pouco aparecem. De qualquer modo, estamos curtindo.
– É.
Peixe não vinha. Veio pela estrada foi a Kombi, lentamente. Parou, saltaram uns barbudos:
– Pescando, hem? Beleza de lugar. Fazem muito bem aproveitando a folga num programa legal. Saúde. Esporte. Alegria.
– Estamos só arejando a cuca, né? Semana inteira no escritório, lidando com problemas.
– Ótimo.
– Assim é que todos deviam fazer. Trocar a poluição pela natureza, vida ao ar livre. Somos da televisão, estamos filmando aspectos do domingo carioca. Podem colaborar?
– Que programa é esse?
– Aprenda a Viver no Rio. Programa novo, cheio de bossas. Vai ser lançado semana que vem. Gostaríamos que vocês fossem filmados como exemplo do que se pode curtir num dia de lazer, em benefício do corpo e da mente.
– Pois não. O grilo é que não pescamos nada ainda.
– Não seja por isso. Tem peixe na Kombi, que a gente comprou para uma caldeirada logo mais.
Desceram os aparelhos e os peixes, e tudo foi feito com técnica e verossimilhança, na manhã cristalina. Os quatro retiravam do mar, em ritual de pescadores experientes, os peixes já pescados. O pessoal da TV ficou radiante:
– Um barato. Vocês estavam ótimos.
– Quando é que passa o programa?
– Quinta-feira, horário nobre. Já está sendo anunciado.
Quinta-feira, os quatro e suas jovens mulheres e seus encantadores filhos reuniram-se no apartamento de um deles – o que tivera a ideia da pescaria.
– Vocês vão ver os maiores pescadores da paróquia em plena ação.
O programa, badaladíssimo, começou. Eram cenas do despertar da manhã carioca, trens superlotados da Linha Auxiliar, filas no elevador, escritórios em atividade, balconistas, enfermeiras, bancários, tudo no batente ou correndo para.
O apresentador fez uma pausa, mudou de tom:
“– Agora, o contraste. Em pleno dia de trabalho, com a cidade funcionando a mil por cento para produzir riqueza e desenvolvimento, os inocentes do Leblon dedicam-se à pescaria sem finalidade. Aí estão esses quatro folgados, esquecidos de que a Guanabara enfrenta problemas seríssimos e cada hora desperdiçada reduz o produto nacional bruto…”
– Canalhas!
– Pai, você é um barato!
– E eu que não sabia que você, em vez de ir para o escritório, vai pescar com a patota, Roberto!
– Se eu pego aqueles safados mato eles.
– E o peixe, pai, você não trouxe o peixe para casa!
– Não admito gozação!
– Que é que vão dizer amanhã no escritório!
– Desliga! Desliga logo essa porcaria!
Para aliviar a tensão, serviu-se uísque aos adultos e refrigerante aos garotos.
(Carlos Drummond de Andrade.70 Historinhas)
O texto apresenta um momento culminante do conflito na narrativa – o ‘clímax’ – assinale a alternativa que apresenta esse momento no texto:
a) “Quinta-feira, horário nobre. Já está sendo anunciado.”
b) “O programa, badaladíssimo, começou.”
c) “E o peixe, pai, você não trouxe o peixe para casa!”
d) “Se eu pego aqueles safados mato eles.”
Reposta: Letra B
Comentário: O conflito descrito no texto é do tipo pessoa x sociedade. No caso, a história se desenvolve com base na tensão entre os supostos pescadores e uma emissora de televisão, que os engana e os retrata de forma pejorativa. Nesse sentido, o trecho que marca o ponto crucial do conflito é o início do programa, que mostra que os empresários foram ludibriados pela equipe de reportagem. Ali está o climáx, o momento de maior intensidade na ação, que vai acelerar o desfecho.