Proparoxítonas aparentes: o que são e como caem em concursos?

A Língua Portuguesa não é uma matéria exata. Por isso, há sempre espaço para debates e interpretações divergentes. Um exemplo disso são as chamadas proparoxítonas aparentes.

Elas, na verdade, são palavras paroxítonas terminadas em ditongos crescentes que podem ser pronunciadas (mas não escritas) como proparoxítonas. Dessa forma, elas são paroxítonas que aparentam ser proparoxítonas.

Neste artigo, vamos explicar melhor esse conceito e trazer várias referências para deixar o tópico mais claro. Vejamos!

Proparoxítonas aparentes

Sílaba tônica e encontros vocálicos

Antes de seguirmos em frente, é importante relembrarmos alguns conceitos. O primeiro deles é a classificação das palavras com relação à posição da sílaba tônica:

  • Oxítonas: a sílaba tônica é a última da palavra (ca, mandar, vo, etc.).
  • Paroxítonas: a sílaba tônica é a penúltima da palavra (cachorro, busca, princesa, etc.)
  • Proparoxítonas: a sílaba tôncia é antepenúltima da palavra (lice, piter, último, etc.)

Outro conceito fundamental é de encontros vocálicos, em especial os ditongos e os hiatos. Um ditongo é a união de uma vogal (V) e de uma semivogal (SV) em uma mesma sílaba. Ele pode ser:

  • Crescente (SV +V): á-gua, gló-ria, ig-no-rân-cia.
  • Descrescente (V + SV): pei-xe, cha-péu, cai-xa.
  • Oral: de-grau, sé-rie, Mai-tê
  • Nasal: cães, caim-bra, não.

Os hiatos, por sua vez, configuram o encontro de duas vogais, mas em sílabas distintas (ex: bo-a, te-a-tro, re-en-con-trar, etc.).

Feito esse nivelamento, podemos agora mergulhar no tema das proparoxítonas aparentes. Vamos lá!

Desvendando as proparoxítonas aparentes

Em geral, os dicionários e o próprio Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) registram as palavras ternimadas em ditongo crescente da seguinte forma:

gló.ri:a, sé.ri:e, en.ci.clo.pé.di:a.

O uso dos dois-pontos na sílaba final indica que esse encontro vocálico pode ser pronunciado como ditongo ou como um hiato. Nesse segundo caso, as palavras soariam como proparoxítonas. É daí, então, que nascem as chamadas proparoxítonas aparentes.

Essa variação de pronúncia pode ocorrer por motivos estilísticos. Nesse caso, poetas lançam mão de um artifício chamado diérese, que consiste em pronunciar ditongos como se fossem hiatos.

Além disso, a alteração pode ocorrer por conta de sotaques ou de regionalismos.

A visão dos gramáticos

O tema das proparoxítonas aparentes não é ponto pacífico entre os estudiosos da Língua Portugesa. Contudo, há mais concordâncias do que discordâncias.

Os gramáticos Domingos Paschoal Cegalla e Amini Boainain Hauy trazem o registro da Nomeclatura Gramatical Brasileira (NGB) que diz: “os encontros ia, ie, io, ua, ue, uo, finais, átonos, seguidos ou não de ‘s’, classificam-se quer como ditongos, quer como hiatos, uma vez que ambas as emissões existem no domínio da Língua Portuguesa”.

Entretanto, Cegalla defende que é preferível “considerar tais grupos ditongos crescentes e, consequentemente, paroxítonos os vocábulos em que ocorrem”.

Em linha com esse posicionamento, Celso Cunha e Lindley Cintra afirmam que “não se separam as letras com que representamos os ditongos e os tritongos, bem como os grupos ia, ie, io, ao, ua, eu e uo, que, quando átonos finais, soam normalmente numa sílaba (ditongos crescentes), mas podem ser pronunciados em duas (hiato)”.

Bechara também argumenta que tais encontros, na escrita, são ditongos: “palavras como série e glória, que podem ser proferidas como dissílabas (mais usual) ou trissílabas, não têm os encontros vocálicos separados na divisão silábica: sé-rie, gló-ria“.

Nesse contexto, é possível dizer que há certo consenso entre os gramáticos de que as proparoxítonas aparentes existem somente na fala, mas não na escrita. Por isso, elas são na verdade classificadas como paroxítonas.

O que diz o Acordo Ortográfico?

Há uma lenda de que o Acordo Ortográfico teria registrado as proparoxítonas aparentes como proparoxítonas de fato. Será que isso é verdade?

Já adiantamos: é fake news. Vejamos!

Inicialmente, o item c, do 2º ponto da Base VII diz o seguinte: “além dos ditongos orais propriamente ditos, os quais são todos decrescentes, admite-se, como sabido, a existência de ditongos crescentes: áurea, espécie, exímio, mágoa, míngua, tênue, tríduo“.

Veja que o documento menciona, textualmente, que tais encontros são ditongos. Logo, estamos diante de palavra paroxítonas, e não proparoxítonas. Mas não para por aí!

O item 5 da base XX, quando menciona exemplos de separação silábica, apresenta as separações: á-gua, am-bí-guo e lon-gín-quo. Mais uma vez, tais encontros são tratados como ditongos. Isso reforça novamente que são palavras paroxítonas.

Nesse mesmo trecho, ao tratar das normas de acentuação, o Acordo estabelece o seguinte: “levam acento agudo ou circunflexo os vocábulos terminados por ditongo oral átono, quer crescente ou decrescente”.

Como exemplos o documento traz os seguintes termos: ignorância, imundície, mágoa, tênue, entre outros.

Ou seja, está claro e cristalino que o texto do Acordo considera que as proparoxítonas aparentes são paroxítonas terminadas em ditongos crescentes. Elas apenas aparentam ser proparoxítonas.

Por fim, vamos conferir o trecho que algumas pessoas defendem que validaria a fake news que falamos anteriormente.

Ao tratar da possibilidade de variação de pronúncia (de PRONÚNCIA), o item 1b da base XI traz como exemplos as palavras série, enciclopédia, glória e barbárie, as quais classifica como proparoxítonas aparentes.

Posição da Academia Brasileira de Letras

Para acabar com qualquer dúvida, decidimos fazer uma consulta direta à Academia Brasileira de Letras por meio do serviço “ABL Responde”.

A resposta da instituição foi a seguinte:

Algumas palavras terminam num ditongo crescente, encontro vocálico instável, pois apresenta certa flutuação na pronúncia, na fala: às vezes é pronunciado como ditongo, às vezes como hiato. É por isso que certos dicionários, ao fazerem a separação silábica de palavras com tal tipo de encontro vocálico, usam dois-pontos em sua separação, em vez de hífen ou de um ponto, como é o usual na separação silábica: só.ci:o, po.lí.ci:a, no.tí.ci:a, in.fân.ci:a, ar.má.ri:o, in.te.li.gên.ci:a, ce.ná.ri:o, car.ce.rá.ri:o, pré.di:o, rá.di:o, pe.tró.le:o, re.la.tó.ri:o, tê.nu:e, a.quá.ri:o, gló.ri:a, sé.ri:e, ci.ên.ci:a, de.lí.ci:a, re.ló.gi:o, his.tó.ri:a, fa.mí.li:a, bal.búr.di:a, mis.té.ri:o, ca.len.dá.ri:o, am.bu.lân.ci:a, etc. O Acordo Ortográfico vigente classifica-as como proparoxítonas aparentes (=paroxítonas terminadas em ditongo). 

O grifo nos trecho “na pronúncia, na fala” foi da própria ABL. O que reforça que a variação de classificação tem a ver somente com a forma de falar as palavras, e não com a posição real da sílaba tônica na escrita.

Como as proparoxítonas aparentes são cobradas em concursos públicos?

Tudo certo, tudo resolvido. Não! Ainda há espaço para uma bela polêmica.

Como explica o professor Fernando Pestana, “paroxítonas terminadas em ditongo crescente podem ser interpretadas como proparoxítonas, o que significa que uma palavra como colégio pode receber acento com base na justificativa de duas regras (das paroxítonas ou das proparoxítonas)”.

Algumas bancas de concurso já seguiram esse posicionamento, como você pode ver nas questões abaixo:

1) FGV – 2017 – ALERJ – Especialista Legislativo – Registro de Debates

Os vocábulos cuja acentuação gráfica pode ser justificada simultaneamente por duas regras são:

a) herói/papéis;
b) econômico/histórico;
c) pátria/tênue;
d) gás/três;
e) têm/vêm.

Resposta: Letra C

2) CESPE – 2013 – STF – Analista Judiciário – Revisor de Texto

Em relação às estruturas linguísticas e às ideias do texto acima e aos múltiplos aspectos a ele relacionados, julgue o item.

O emprego do acento gráfico em “remédios” pode ser justificado com base em duas regras distintas de acentuação.

( ) Certo
( ) Errado

Resposta: Certo

Note que, em ambas as questões, as bancas consideraram que as palavras poderiam ser consideradas paroxítonas ou proparoxítonas para fins de acentuação. Então, fique de olho vivo na sua prova!

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