Carolina Maria de Jesus foi uma improvável escritora, compositora e poetisa brasileira. Nascida em março de 1914, a autora ficou conhecida por sua principal obra “O Quarto de Desepejo”.
Ela se destacou por seus relatos, em forma de livro-diário, sobre sua realidade na favela, repleta de sofrimento, luta e superação. Ela faleceu 1977, aos 62 anos, vítima de uma insuficiência respeiratória.
Como uma das primeiras autoras negras do país, seu nome é considerado um dos mais importantes da cena literária nacional. Por isso, ela também é tida como uma precursora da literatura periférica e da literatura afro-brasileira.
Neste artigo, vamos fazer uma análise completa da trajetória da escritora e também de sua produção literária. Confira!

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ToggleVida pessoal e profissional
Carolina Maria de Jesus nasceu no dia 14 de março de 1914, em Sacramento, Minas Gerais.
De família pobre e filha de pais analfabetos, foi maltratada durante a infância, mas, aos sete anos, começou a frequentar a escola — onde aprendeu a escrever e ler, além de ter desenvolvido gosto pela leitura.
Carolina estudou no colégio Alan Kardec, a primeira escola espírita do Brasil. No período que lá esteve, ela foi sustentada por uma patroa de sua mãe, que trabalhava como lavadeira.
Entretanto, sua educação formal durou apenas dois anos. Entre 1923 e 1929, sua família mudou-se para Lajeado (MG), Franca (SP) e Conquista (MG), até retornar em definitivo para Sacramento.
Nesta cidade, Carolina foi presa junto com sua mãe durante alguns dias, pois as autoridades concluíram que ela usava a leitura para fazer feitiçaria. A escritora ficou conhecida como a “Diaba de Sacramento”, em razão de uma falsa denúncia de que estaria lendo o livro do bruxo São Cipriano.
Em 1937, após a morte da mãe, a escritora foi morar em São Paulo, onde trabalhava como empregada doméstica na de um médico. Nas poucas horas vagas, Carolina lia os livros da biblioteca do patrão.
Já em 1948, aos 33 anos, grávida e desempregada, Carolina foi morar na favela do Canindé, localizada na zona norte da capital paulista. Enquanto viveu ali, ela trabalhou como catadora de papel e, quando tinha tempo, registrava seu dia a dia na favela em cadernos que encontrava em meio aos materiais coletados.
Vale dizer que a escritora teve três filhos: João José de Jesus, José Carlos de Jesus e Vera Eunice de Jesus Lima. Cada uma deles com um pai diferente. Além disso, Carolina nunca quis se casar e criou os filhos sozinha.
Carreira literária
Carolina Maria de Jesus era apaixonada pela leitura, portanto a escrita literária foi um desdobramento natural. Em 1950, ela publicou um poema no jornal O Defensor homenageando Getúlio Vargas.
Em 1958, o jornalista Audálio Dantas conheceu a escritora e descobriu que ela tinha diversos cadernos (diários) em que relatava sua realidade na favela.
Com isso, ele ajudou a autora a publicar seu primeiro livro — Quarto de despejo: diário de uma favelada. A publicação foi feita em 1960 e o livro se tornou um sucesso de vendas. A primeira edição vendeu 30 mil exemplares. Com a segunda e a terceira, esse número chegou a mais de 100 mil exemplares vendidos. Ademais, a obra foi traduzida para 13 idiomas em mais de 40 países.
No mesmo ano, Carolina foi homenageada pela Academia de Letras da Faculdade de Direito de São Paulo e pela Academia Paulista de Letras. Além disso, em 1961, recebeu um título honorífico da Orden Caballero del Tornillo, na Argentina.
Após o sucesso do seu livro, a escritora saiu da favela do Canindé e se mudou para Santana, bairro de classe média de São Paulo. Apesar da rápida ascenção social, a popularização de sua obra gerou hostilidade dos moradores daquela comunidade, que se sentiram expostos nos escritos da autora.
Além do livro, Carolina gravou um disco com suas próprias composições e continuou escrevendo. Em 1963, publicou o livro Provérbios e o romance Pedaços de fome. Três anos depois, em 1969, foi morar em Parelheiros, na zona sul da capital paulista.
Carolina Maria de Jesus morreu em fevereiro de 1977 de insuficiência respiratória, aos 62 anos.
Após sua morte, seis obras póstumas foram publicadas, compiladas a partir dos cadernos e materiais deixados pela autora.
Homenagens e reconhecimentos
É importante registrar que foram escritas três biografias sobre a autora:
- Muito Bem, Carolina!: Biografia de Carolina Maria de Jesus (2007), de Eliana de Moura Castro e Marília Novais da Mata;
- Carolina Maria de Jesus. Uma Escritora Improvável (2009), de José Rufino dos Santos;
- Carolina: Uma biografia (2017), Tom Farias.
Além disso, Carolina dá nome à biblioteca do Museu Afro-Brasileiro, inaugurado na década de 2000 no Parque Ibirapuera em São Paulo.
A literatura de Carolina Maria de Jesus
As obras de Carolina Maria de Jesus fazem parte de um gênero literário conhecido como “escrita do eu“, que é marcado pelas seguintes características:
- Expressão e representação de experiências pessoais e subjetivas do autor;
- Foco em experiências, pensamentos, sentimentos e memórias;
- Abordagem autorreflexiva;
- Relacionamento da narrativa pessoal com o contexto coletivo;
- Uso da narrativa como forma de construção e exploração da identidade do autor.
Esse conceito foi amplamente popularizado pelo crítico e ensaísta francês Philippe Lejeune. Além disso, o desenvolvimento da noção de “escrita do eu” também foi fortemente influenciado pelo filósofo Michel Foucault e suas ideias sobre “tecnologias do eu“.
Ademais, é importante dizer que esse tipo de escrita se concretiza, em geral, em determinados gêneros textuais:
- Diários;
- Memórias;
- Autobiografias;
- Cartas;
- Ensaios pessois.
É interessante notar que as obras de Carolina abarcam todos os gêneros acima e, até mesmo, mesclam vários deles na construção de narrativas que fundem relatos autobiográficos com crítica social.
Contribuição da Carolina de Jesus para a cultura brasileira
As obras de Carolina Maria de Jesus foram precursoras da literatura periférica, também conhecido como literatura marginal. Esse movimento se caracteriza por se contrapor aos moldes da literatura canônica. Por esse motivo, a princípio, ela não goza do prestígio social e acadêmico.
Seu principal livro, “Quarto de despejo”, é marcado por uma linguagem mais coloquial e pela despreocupação com regras ortográficas e gramaticais. Esse tipo de narrativa mais crua e pessoal ajuda a tornar mais tangível as vivências e sofrimentos por que Carolina passou.
Além disso, sua forma direta e sem floreios de relatar as durezas do dia a dia em uma favela contribui para a reflexão sobre o próprio processo de urbanização do Brasil, marcado pelo racismo estrutural, a violência, a fome e a falta de saneamento básico e de acesso a serviços públicos de qualidade, como pode ser visto no trecho abaixo:
Lhe aconselhei a não brigar, que o crime não trás vantagens a ninguem, apenas deturpa a vida. Senti o cheiro do alcool, disisti. Sei que os ébrios não atende. O senhor Ismael quando não está alcoolizado demonstra sua sapiencia. Já foi telegrafista. E do Circulo Exoterico. Tem conhecimentos bíblicos, gosta de dar conselhos. Mas não tem valor. Deixou o alcool lhe dominar, embora seus conselho seja util para os que gostam de levar vida decente.
Preparei a refeição matinal. Cada filho prefere uma coisa. A Vera, mingau de farinha de trigo torrada. O João José, café puro. O José Carlos, leite branco. E eu, mingau de aveia. Já que não posso dar aos meus filhos uma casa decente para residir, procuro lhe dar uma refeição condigna.
Assim, os escritos de Carolina acabaram, de certa forma, abrindo portas para autores atuais, como Ferrez, Sérgio Vaz, Sacolinha e Racionais MC`s, que também lançam mão de uma linguagem mais popular para realizar críticas sociais profundas.
Além disso, as obras de Carolina também fazem parte do que se pode chamar de literatura afro-brasileira. Esse tipo de produção literária é marcada por retratar o dia a dia das pessoas negras e por ser escrita por autores afrodescendentes.
Principais obras de Carolina Maria de Jesus
Obras éditas
- Quarto de despejo (1960);
- Casa de alvenaria (1961);
- Pedaços de fome (1963);
- Provérbios (1963).
Obras póstumas
- Diário de Bitita (1977);
- Um Brasil para brasileiros (1982);
- Meu estranho diário (1996);
- Antologia pessoal (1996);
- Onde estaes felicidade (2014);
- Meu sonho é escrever: contos inéditos e outros escritos (2018).
Frases de Carolina Maria de Jesus
- “Eu classifico São Paulo assim: o palácio é a sala de visitas e a favela é o quintal.”
- “Enquanto eu tiver um pedaço de papel e um lápis, eu vou escrever.”
- “Eu não sou analfabeta. Sou uma escritora livre.”
- “O negro só é livre quando morre.”
- “Quem inventou a fome são os que comem.”
- “Atualmente somos escravos do custo de vida.”
Conclusão
Para fechar esse relato da vida pessoal e profissional de Carolina, vale mencionar uma descrição que Tom Faria fez sobre essa destacada escritora brasileira: “Carolina Maria de Jesus representou essa mulher, que transformou uma atitude corriqueira que é o ato de escrever, na bandeira contra a fome e a miséria, bandeira essa que tremula, como um estandarte, protegendo as cabeças dos fracos e oprimidos, dos que, como ela, envergaram a espinha para ganhar a vida, nos lixões de cada esquina, nas obras do metrô, nos garimpos, nas aberturas de estradas que, infelizmente, levaram este país para lugar nenhum.” (FARIAS, 2020, p. 190).