Qual é o sentido por trás do ato de falar? Podemos fazer coisas através da fala? É possível agir através de palavras? O que, afinal, nos impulsiona a dizer algo? É isso que estuda a Teoria dos Atos de Fala.

Já vimos anteriormente com o filósofo pioneiro da Filosofia da Linguagem, Ludwig Wittgenstein, que, no jogo de linguagem, o sentido das palavras é determinado pelo seu uso em diferentes interações linguísticas. Mas daí surgiram outras questões:

O que quer
O que pode esta língua?
(Caetano Veloso)

A resposta é dada pela Teoria dos Atos de Fala, proposta inicialmente por John Langshaw Austin (1911-1960), filósofo pioneiro da Escola Analítica de Oxford, e depois incrementada por John Searle (1932) a partir da Filosofia da Linguagem.

Resumidamente, a teoria acredita que a função da fala vai muito além de transmitir informações. Para ele, falar é a expressão de uma ação e representa, portanto, uma forma de agir sobre o interlocutor e sobre o mundo circundante, dando sentido a ele. O ato de fala é, portanto, toda ação realizada através do dizer.

Para Austin, essa ideia extrapola a visão descritiva da língua, de que uma afirmação serve para descrever um estado de coisas e, sendo assim, pode simplesmente ser verdadeira ou falsa. Segundo o filósofo, algumas coisas não são ditas para descrever, mas sim para realizar ações.

Assim, conhecer e entender o contexto (quem fala, com quem se fala, para que se fala, onde se fala, o que se fala) é essencial para captar as pistas para a compreensão total dos enunciados.

O valor das circunstâncias na teoria dos atos de fala

Mas como isso acontece? De acordo com Austin, os enunciados (falas) podem ser de dois tipos: constativos ou performativos.

Enquanto os constativos podem ser rotulados como verdadeiros ou falsos por descreverem, relatarem ou constatarem um estado de coisas, os performativos não genuinamente aqueles que realizam uma ação.

Assim, “Eu escrevo um texto” ou “A Terra gira em torno do sol” são exemplos de falas constativas. Já os enunciados performativos costumam ser proferidos na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, na forma afirmativa e na voz ativa, como em “Eu te absolvo/perdoo”, “Declaro aberta a sessão” ou “Quero que saia”.

Segundo Austin, quando a gente diz coisas assim como essas últimas, estamos de fato realizando tais ações, mesmo que estas não venham a se confirmar. É interessante observar como o autor lida com esse fenômeno… Ele admite que um enunciado performativo só pode ser bem-sucedido se as circunstâncias do tempo espaço da ação estiverem adequadas, mas diz ainda que, caso a situação não lhe favoreça, o enunciado performativo não deve ser levado como falso, mas sim nulo, sem efeito, fracassado, ou, como ele definiu, “infeliz”.

Nessa mesma lógica, quando essas circunstâncias são apropriadas para que o enunciado performativo se confirme como um ato efetivo, Austin as chama de “condições de felicidade”. É o caso de quando o falante é o juiz, em “Eu te absolvo”, ou de quando as palavras pronunciadas estão de acordo no tempo/espaço, como no caso do presidente da Câmara declarando no plenário que a sessão do dia está sendo aberta.

Austin foi além, constatando que o verbo na primeira pessoa do singular do presente do indicativo na forma afirmativa e na voz ativa não é condição nem exclusividade de um enunciado performativo. Continua sendo uma expressão performativa dizer “Sim” diante do altar ou “Proibido fumar” no lugar de “Eu proíbo fumar”, mas não se pode afirmar o mesmo de um “Eu jogo futebol”, que é apenas uma constatação, não configurando a ação efetiva do falante.

Sutilezas e camadas dos discursos

Em seus estudos sobre a fala dando sentido ao mundo, Austin acabou se deparando com as sutilezas do discurso performativo. Ele constatou que expressões bem parecidas podem indicar atos bem explícitos ou muito vagos e ambíguos. A partir disso, ele dividiu os enunciados performativos em explícitos (como “Eu ordeno que você saia”) e implícitos, ou primários (como em “Saia”).

Avançando um pouco mais em sua Teoria dos Atos de Fala, o filósofo chegou à conclusão de que três atos ocorrem simultaneamente em todo enunciado. São eles: o ato locucionário, o ilocucionário e o perlocucionário.

No fundo, esses três atos são como as camadas do discurso. Senão, veja: no período “Eu prometo que estarei em casa hoje à noite”, a vertente locucionária se encontra na pronúncia propriamente dita de cada elemento linguístico que compõe a frase; o ato ilocucionário se realiza por meio da linguagem, ou seja, se dá pela intenção que está por trás do ato de fala (é a mensagem ou, neste caso, a promessa de que se estará em casa na circunstância relatada); já o ato perlocucionário se faz por meio da linguagem com a intenção de provocar certo efeito no ouvinte (de convencê-lo ou dissuadi-lo, por exemplo).

Com base nos estudos de Austin, John Searle elaborou cinco grandes categorias de atos de linguagem (representativos, diretivos, comissivos, expressivos e declarativos) e estabeleceu a distinção entre atos de fala diretos (entonação e expressões típicas como as usadas para pedir algo) e atos de fala indiretos (um pedido em forma de pergunta, como “Você tem as horas?” ou com aparência de constatação, caso de “Como está abafada a sala!”).

Desta forma, os teóricos transitaram por questões de interesse da filosofia, buscando compreender não o uso que se faz de uma língua específica de cada sociedade, mas sim as regras subjacentes às diferentes interações linguísticas.

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