Nem todos se sentem à vontade para falar sobre a morte. Em português, criamos diversas formas de abordar o tema sem mencioná-lo diretamente. Dizemos que alguém “faleceu”, “partiu” ou “foi descansar”. Todas essas expressões são exemplos de eufemismo, formas de suavizar situações desagradáveis.
O termo eufemismo vem do grego euphēmismos, que significa “soar bem”. Escritores utilizam eufemismos para contornar assuntos considerados “ruins” — tabus, embaraçosos ou sensíveis —, como morte, sexo, dinheiro e política.
De acordo com o gramático Rocha Lima, trata-se de uma figura de linguagem que serve como “meio pelo qual se evita uma palavra ou expressão molesta, odiosa ou triste, substituindo-a por outra palavra ou expressão menos desagradável”.
Em geral, esse conceito é cobrado em prova de concurso público em questões que tratam das figuras de linguagem de forma geral. Assim, é raro que haja itens que tratem somente do conceito de eufemismo. Dito isso, vamos entender melhor como e quando utilizar esse recurso. Confira!
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ToggleQuando usar eufemismo?
O eufemismo não deve ser interpretado literalmente. Considere o exemplo “bateu as botas”. Nesse contexto, é improvável que alguém imagine uma pessoa literalmente chutando uma bota. Assim, o uso de eufemismos depende de uma compreensão coletiva de seu significado figurado ou conotativo. Por isso, incorporá-los à escrita pode demonstrar domínio da linguagem e é especialmente útil para criar diálogos ou narrativas ficcionais.
Além disso, eufemismos ajudam escritores a criticar ou satirizar temas delicados, como política. Por exemplo, na literatura brasileira, expressões como “jeitinho brasileiro” suavizam críticas a comportamentos muitas vezes antiéticos, mas culturalmente aceitos.
No momento de utilizar eufemismos, é importante avaliar se o tema pode causar desconforto. Nesse caso, esse recurso linguístico pode ser adequado. Contudo, atenção ao tom: eufemismos criam uma linguagem mais casual ou informal, que pode ser inadequada em certos contextos.
Quando não usar eufemismo?
Eufemismos, por sua natureza indireta, não são indicados em situações que exigem clareza. Por exemplo, ao descrever a demissão de um colega sem causar constrangimento, pode-se dizer que ele “foi desligado” ou “decidiu seguir novos caminhos”.
Porém, se o interlocutor for o chefe da pessoa, ele deve ser claro e direto ao comunicar a decisão. Em situações assim, não há razão para “enrolar” (um eufemismo para procrastinar ou evitar ir direto ao ponto).
Eufemismo x Linguagem Politicamente Correta
Enquanto eufemismos buscam tornar temas delicados mais confortáveis, a linguagem politicamente correta tem como objetivo promover inclusão e combater o preconceito. Embora ambos facilitem a comunicação em contextos sociais, culturais ou religiosos, esses conceitos são diferentes.
Por um lado, a linguagem politicamente correta adota a liguagem literal ou denotativa e busca ser clara e respeitosa. Por outro, o eufemismo é intencionalmente indireto e figurativo.
Por exemplo, dizer que “pessoa com deficiência” é uma forma de linguagem politicamente correta. Já dizer “pessoa especial” é um eufemismo.
Estrutura dos eufemismos
A maioria dos eufemismos tem origens complexas. Por isso, criar um eufemismo do zero é desafiador, pois isso depende de uma compreensão comum e de um conhecimento compartilhado entre os falantes. Caso contrário, o uso do termo pode prejudicar a coerência do texto.
Por exemplo, o eufemismo “foi descansar” (para morte) cria uma imagem que desvia da ideia de fim irremediável da vida. A mesma sensação ocorre com expressões como “foi chamado para a luz” ou “passou desta para melhor”. Esses termos evitam a dureza do termo literal.
Sinônimos de eufemismo
Eufemismos se assemelham a outros recursos linguísticos como gírias, coloquialismos, regionalismos e expressões idiomáticas:
- Gírias: Palavras evoluídas em determinados grupos, como “quebrado” (sem dinheiro).
- Regionalismos: Linguagem associada a grupos culturais ou regionais, como “oxe” no Nordeste brasileiro.
- Coloquialismos: Linguagem informal usada na escrita ou na fala cotidiana, incluindo gírias e eufemismos.
- Expressões idiomáticas: Frases cujo significado ultrapassa o literal. Nesse sentido, pode´se dizer que eufemismos são um tipo de expressão idiomática, mas nem todas expressões idiomáticas são eufemismos. Um exemplo é “chutar o balde” (desistir de algo).
Tipos de eufemismo
Os eufemismos mais comuns incluem:
- Abstração: Cria uma cena diferente, como “virou estrelinha” para falar de uma criança que faleceu.
- Abordagem indireta: Trata um tema de forma tangencial, evitando ir direto ao assunto. Um exemplo é utilizar a expressão “visita íntima” para se referir visitas nas quais há relações sexuais.
- Litotes: De acordo com Rocha Lima, esse tipo de eufemismo ocorre quando se afirma algo pela negação de seu contrário. Por exemplo, dizer que alguém “não é mais moço” em lugar de dizer que é “velho”.
- Personificação: Atribui características ou apelidos humanos a temas desconfortáveis, como chamar a morte de “a indesejada das gentes”.
Exemplos comuns de eufemismo
A língua portuguesa está repleta de eufemismo. Nesse sentido, os exemplos mais recorrentes incluem:
- Morte: “Faleceu”, “foi descansar”, “partiu desta para melhor”.
- Gravidez: “Está esperando um bebê”, “vai receber a visita da cegonha”, “vai aumentar a família”.
- Dinheiro e carreira: “Está passando por um momento difícil” (pobreza), “foi desligado” (demissão).
Exemplos de eufemismo na literatura
- “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis: a ideia de “autor defunto” suaviza a morte como um simples estado.
- Na obra de Nelson Rodrigues, temas como adultério são tratados com eufemismos que retratam o comportamento humano de forma indireta e irônica.
Questões de concurso sobre eufemismo
Questão 1: FUNDEP (Gestão de Concursos) – 2022 – Prefeitura de Vespasiano – MG – Agente de Combate a Endemias / Agente Comunitária de Saúde
O eufemismo é um recurso de linguagem que consiste em suavizar o conteúdo da fala, por meio do uso de palavras que soem mais agradáveis ao interlocutor.
O eufemismo contido na fala do personagem da charge tem como pretensão de:
a) anular um ato criminoso.
b) aliviar o sofrimento de uma pessoa.
c) incentivar o correto emprego das palavras.
d) mascarar uma realidade cruel.
Resposta: Letra D
Comentário: Ao dizer que o que iria acontecer seria um “contingenciamento”, e não um “corte”, o autor da charge busca suavizar o fato de que uma pessoa teria sua cabeça cortada na guilhotina. Trata-se então de um caso claro de eufemismo.
Questão 2: ZAMBINI – 2016 – Prefeitura de Embu das Artes – SP – Monitor Cultural
Assinale a única alternativa em que aparece um eufemismo.
a) Ele bebeu um copo de água.
b) O namorado faltou com a verdade.
c) Vi através dos seus olhos que aquilo era verdade.
d) Aquele homem é um poço de amarguras.
Resposta: Letra B
Comentário: Ao dizer que o namorado “faltou com a verdade”, a pessoa está usando uma abordagem indireta para dizer que ele mentiu. Dessa forma, como há o uso de um recurso linguística para suavizar a linguagem, estamos diante de mais um caso de eufemismo.
Vale acrescentar que nas alternativas A e C temos uso de linguagem literal. Já na alternativa C, ao dizer que o homem é um “poço de amarguras”, há o uso de uma metáfora.
Referência
- Gramática Normativa da Língua Portuguesa, Rocha Lima, páginas 615 e 616.
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Gostou do texto? Então, assista ao vídeo em que resumi em um minuto o conceito de eufemismo: