Pense na sala de aula do Ensino Fundamental como se fosse uma cozinha, repleta de alimentos in natura e de utensílios à disposição… Compare os dois ambientes e responda: como fazer para que esse “ambiente culinário” estimule o surgimento de futuros chefs? A comparação parece absurda, mas é mais ou menos isso que acontece quando se imagina um ambiente alfabetizador ideal.

Legumes, verduras, grãos, carnes, farinhas, leite podem até matar a fome urgente, mas, para aprender a manipular os alimentos e construir com eles um menu digno de masterchef, é preciso aprender a manipular os ingredientes, a uni-los e a combinar bem seus sabores.

Por isso que se tem hoje em dia certeza de que a fórmula antiga de forrar as paredes da sala de aula com cartazes com textos e palavras escritas, etiquetas de identificação e outros penduricalhos não é suficiente para estimular a alfabetização. É como ter à mão farinha, fermento, sal e água e não saber que tem de misturar tudo, amassar e assar para chegar ao pão.

Limitações do ambiente alfabetizador

Qualquer escola de Educação Infantil e de Ensino Fundamental ainda hoje recheia as salas de aula e parte dos corredores de desenhos e escritos. Muitos deles remetem ao ensino da escrita, como as famílias silábicas, cartazes de dupla entrada com vogais e consoantes formando sílabas e fragmentos de lições da cartilha; outros exploram listas de nomes, desenhos de personagens, mapas e ilustrações.

A ideia é de que a “leitura incidental” do ostensivo material fixado nas paredes teria o condão de fazer com que os alunos aprendessem a ler e a escrever. Como se a constante exposição acendesse o fogo da curiosidade dos estudantes… O argumento tem seus méritos, mas falta sal e pimenta.

O fogo da alfabetização exige um pouco mais de tempero, como aponta o Referencial Curricular Nacional Educação Infantil (RCNEI), que diz: “um ambiente é alfabetizador quando promove um conjunto de situações de usos reais de leitura e escrita das quais as crianças têm oportunidade de participar”.

Praticar e pensar

A questão fundamental está centrada no fato de que é a participação dos alunos em práticas de leitura e escrita incentivadas e comandadas pelos educadores que pode conduzir à proficiência. O estudante vê o cartaz com a regra silábica e precisa entender qual é o processo que leva àquilo. Ele precisa poder perguntar sobre as práticas de linguagem e compreender o fenômeno a partir disso.

A prática, portanto, é o segredo. Um ambiente alfabetizador ideal é aquele que oferece informações relevantes sobre a escrita e seus usos sociais efetivos, além de incentivar a sua prática, possibilitando fazer perguntas a respeito do funcionamento, da organização, das funções e de tudo o mais que as crianças queiram saber.

O educador é o facilitador que ajuda os alunos a pensarem sobre a escrita e a encontrarem respostas. Nesse sentido, o que for mais desafiador e realizável promoverá um processo de ensino e aprendizagem muito mais produtivo e harmonioso.

O que é possível fazer?

Se as receitas antigas perderam o frescor, é possível propor fórmulas para acrescentar ações efetivas e participativas. A sala deve despertar o interesse pela leitura, pela escrita e pelo manuseio do material didático, antes mesmo que as crianças dominem suas convenções. A ideia é fazer das paredes murais vivos, em constante ampliação e utilização, conforme a evolução das aulas.

Muitas das atividades são bem simples. Uma das mais conhecidas é dispor o alfabeto num varal, perto dos alunos e na altura deles, no início do ano. Também é possível ter um espaço para exposição de textos usados nas leituras compartilhadas, para que os alunos possam recuperá-los quando quiserem.

A experiência da folhinha de calendário ajuda a se familiarizar com datas, nomes e números. Se cada aluno também tiver recebido uma folha similar para prender no caderno no começo de cada mês, poderá se engajar no acompanhamento do andar dos dias.

Da mesma forma, é possível ter uma listagem dos alunos da sala, com o primeiro nome de todos em letra inicial maiúscula destacada em vermelho, e uma sequência numérica qualquer.

De qualquer forma, o ambiente alfabetizador precisa ser organizado e acompanhar os hábitos de trabalho que contribuam para a independência de cada criança.

Um pouco de referências

Essa concepção de que é equivocado acreditar que a criança aprende apenas por imitação ou decorando os conteúdos é respaldada na concepção de educação de dois dos mais importantes estudiosos do mundo. Para o biólogo suíço Jean Piaget, a criança é um sujeito ativo na construção do seu conhecimento. De acordo com a psicolinguista argentina Emilia Ferreiro, a leitura e a escrita são objetos de estudo desse sujeito.

Partindo desses princípios, a criança é um sujeito pensante e capaz e, portanto, precisa interpretar, agir e transformar as suas ações em experiências diárias de aprendizagem, e assim se desenvolver.

Assim, a sala de aula deixa de ser um cenário e passa a ser oficina. A própria lista de presença serve de apoio para uma ação pedagógica de aproximação com a leitura e a escrita. O professor pode fazer a chamada e pedir tipos diferentes de intervenção. Com as crianças de 4 e 5 anos, por exemplo, pode solicitar aos alunos que escrevam seus nomes numa lista e depois, em roda, eles são convidados a lerem outros nomes: exercício puro de leitura, escrita e socialização.

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