A possibilidade de alfabetizar seus filhos em casa é uma discussão acesa na sociedade brasileira mesmo antes da pandemia de Covid-19. É preciso admitir que o tema já vinha sendo debatido independentemente da chegada do novo coronavírus por aqui, com muitos pais e mães já se mostrando convencidos de que deveriam assumir o processo educacional dos filhos.

A alfabetização marca um momento extraordinário na vida da criança: seu primeiro contato com a educação formal.

Por isso mesmo a tarefa não é simples. Alfabetizar em casa é uma decisão muito particular de cada família.

E o papel dos pais nesse processo é fundamental, porque não bastará utilizar o mesmo material da escola. Tem-se de saber quais são as melhores formas de ensinar e conhecer as palavras e os discursos que fazem sentido no dia a dia da criança. Essa é, inclusive, uma das vantagens da educação domiciliar (ou homeschooling).

Muito mais do que letras e sílabas

A chance de poder interferir pessoalmente na alfabetização do filho exige muita dedicação e não pode encobrir as dificuldades de atuar em um processo que é complexo e singular a cada indivíduo.

O que importa no processo de alfabetização é desenvolver o raciocínio da criança, é explorar suas hipóteses frente a um mundo que ela ainda está por desvendar. Segundo a psicolinguista argentina, Emília Ferreiro, compor uma palavra não é só conhecer e combinar letras e sílabas.

Passa ainda por elaborar e reelaborar suposições. Neste sentido, a leitura desempenha um papel importante colocando a criança como parte do mundo ao redor.

Vale lembrar que aprender a ler envolve cinco habilidades diferentes. São elas:

  • Consciência fonológica: capacidade de ouvir e manipular os diferentes sons das palavras;
  • Fonética: reconhecimento da conexão entre letras e sons;
  • Vocabulário: compreensão do significado das palavras, definições e contexto;
  • Compreensão de leitura: do significado do texto, esteja ele publicado aonde for;
  • Fluência: capacidade de ler em voz alta com velocidade, compreensão e precisão.

Como fazer, então?

Nessa trajetória, alfabetizar exige escuta ativa e respeito pela ação infantil. Cabe a nós tornar o processo agradável, estimulante e compensador, sempre atentos ao ritmo próprio de cada criança.

Para fazer isso, há alguns caminhos possíveis. Listamos 7 passos e vamos falar a seguir de cada um deles:

1. Escolha um material e um método

Escolher um material de qualidade – livros, jogos, brincadeiras – é a primeira coisa a ser feita. E há uma variedade grande de opções, entre livros infantis de diversos gêneros (narrativas, poesias, fábulas etc.), jogos de alfabetização (físicos ou on-line) e atividades escritas e de arte (impressas ou copiadas no caderno).

O material, claro, precisa seguir uma metodologia de ensino. Cabe aos pais/educadores fugir da armadilha de tornar sua abordagem enfadonha e antiquada, inserindo a consciência das funções sociais dos textos.

2. Soletrar, identificar formas e sons

Espalhe cartões pela casa. Escreva em cada um deles uma palavra com três sons e convide a criança a escolher um cartão. Leia compassadamente com ela a palavra. Peça a ela que diga o primeiro som que ouve, o segundo e o terceiro.

Esse exercício desenvolve a fonética e a decodificação das palavras, mas vale também se a criança ainda não aprendeu as letras do alfabeto. Neste caso, ressalte o som de cada letra, em vez de se concentrar nos nomes das letras.

3. Reconhecer e aprender o próprio nome

Explore o som de cada uma das letras, sem confundir com o “nome da letra”. Assim, pode-se problematizar a diferença entre o que se escreve e o que se lê​. Não dá para esperar que a criança deduza por conta própria o som de cada letra apenas pela observação de textos. É preciso explicar os sons com clareza.

Nas atividades desenvolvidas nessa formação, procure sempre utilizar o seu dedo para apontar para a letra e reproduzir o som que essa letra tem. Sempre peça à criança que repita o som aprendido.

4. Use rimas, canções e jogos

Para crianças em fase de pré-alfabetização, o desenvolvimento da consciência fonológica é essencial. Para ajudar nisso, vale lançar mão de rimas e canções infantis. Além de serem divertidas, elas dão ritmo e aguçam as crianças a ouvirem os sons e as sílabas das palavras.

No dia a dia, os jogos de memória podem fixar as palavras de alta frequência. Peça à criança que veja e diga qual é a palavra.

5. Dê à criança um ambiente rico em impressões

Ler é um hábito. Criar oportunidades diárias para desenvolver essas habilidades, por meio de um ambiente rico em sensações, é fundamental. Distribua palavras impressas em cartazes, gráficos, livros e etiquetas. Tudo isso vai estimular a criança a ver e manipular conexões entre os sons e os símbolos das letras.

Fora de casa, os estudos ajudam a acumular vocabulário. No carro ou na rua, aponte para placas e anúncios e vá brincando com os sons das letras para formar palavras novas. A primeira letra de uma palavra pode suscitar um divertido jogo. Pergunte ao seu filho que som tal letra faz; que outra palavra começaria com esse mesmo som; e qual palavra rima com ela.

6. Use a tecnologia para o engajamento

Aprender a ler deve ser um processo prazeroso e motivador mesmo diante de alguma dificuldade. Naquela hora em que a criança se vê diante de algo que não compreende, não a deixe chegar ao ponto de desistir. Lance mão da internet, do celular ou de outro gadget e o ajude a manter o foco na melhoria contínua, a aprender cada vez mais.

É importante destacar que o uso de tecnologias deve ser sempre monitorado de perto pelos pais, tendo em vista os perigos da utilização desassistida de telas.

7. Leia junto, diariamente, e faça perguntas

A boa compreensão de texto também pode acontecer a partir da interação com o adulto. Leia para seu filho e mostre a ele como pronunciar as palavras, frases e parágrafos. Isso contribui para desenvolver habilidades essenciais de compreensão, aumenta seu vocabulário e a fluidez da leitura.

Pergunte a opinião dele sobre o que leu, do que gostou e o que o intriga. Além de uma ótima ocasião de interação, isso o ajuda a desenvolver o senso de compreensão e a dar fluidez à oralidade.

Lembre-se: a meta é estimular o raciocínio

Por fim, vale lembrar que todo processo educacional repudia ações violentas e intempestivas. A criança precisa de ajuda e afeto para avançar. A melhor atitude é o estímulo, e não a competição. Então, estimule sempre o raciocínio e use a comunicação não violenta. Acredite na capacidade do seu filho de concluir por conta própria a partir de um caminho trilhado junto com ele.

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Gostou do artigo? Então, vale a pena aprofundar seus conhecimentos com o Guia da Alfabetização.