Nos últimos 40 anos, não houve um nome de mais influência e legado para a alfabetização que o de Emilia Ferreiro, sociolinguista argentina. As obras da doutoranda de Jean Piaget (1986-1980) passaram a ser divulgadas no Brasil a partir dos anos 80 e foram responsáveis por grandes impactos na educação.

Embora os seus livros não apresentem nenhum tipo de método pedagógico, eles influenciaram, até mesmo, as normas do governo contidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Isso porque Emilia apresenta em suas pesquisas contextos sobre os processos de ensino-aprendizagem que questionam as abordagens tradicionais da alfabetização.

Para entender mais sobre as influências e legado de Emilia Ferreira para a alfabetização, continue a leitura deste artigo!

Emilio Ferreiro: contribuições da socilinguística para a alfabetização no Brasil;

O que Emilia Ferreiro diz sobre alfabetização?

Nascida em 5 de maio de 1936, a sociolinguista Emilia Ferreira se tornou referência para o ensino brasileiro. Toda a sua influência para a alfabetização está diretamente associada ao construtivismo, campo de estudo do biólogo Jean Piaget (1896-1980), que aborda a maneira como as crianças aprendem. Sendo assim, tanto as descobertas de Emilia, quanto as de Piaget reforçam a ideia de que os alunos possuem um papel ativo no aprendizado. 

Livro Psicogênese da Língua, de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky

Em outras palavras, antes da influência de Emilia Ferreira, os educadores só viam problema com a aprendizagem, quando as crianças demonstravam não ter aprendido os conteúdos transmitidos. Entretanto, após o livro Psicogênese da Língua Escrita, publicado em 1979 em conjunto com Ana Teberosky, a visão sobre o ensino mudou. 

Seguindo as constatações dessa obra, foi percebido que as crianças não deviam apenas repetir o que lhes era ensinado, era necessário que interpretassem também o mundo ao seu redor. Nesse sentido, Emilia afirma que a construção da leitura e da escrita tem uma ligação direta com a interação social dos alunos dentro e fora da escola

Alfabetização e funções sociais da língua

Emilia apregoava que o processo de alfabetização deveria permitir que os estudantes entendessem e se apropriassem das funções sociais da língua, ou seja, que fossem capazes de utilizar seus conhecimentos linguísticos para agirem e refletirem sobre a sociedade.

Nesse sentido, uma das principais críticas de Emilia era que o processo de alfabetização tradicional é muito centrado em avaliações de percepção (capacidade de discriminar sons e sinais, por exemplo) e de motricidade (coordenação, orientação espacial, etc.). 

Em outras palavras, dá-se um foco grande em aspectos externos da alfabetização, em detrimento de outras características conceituais importantes, como a compreensão da natureza da escrita e sua organização.

Por essa razão, a sociolinguista defendia que o processo de alfabetização deve ocorrer sem o uso de cartilhas, que trazem uma visão pré-moldada do mundo,  mas sim com o auxílio de textos atuais e que fazem parte do cotidiano dos alunos. Dessa forma, cria-se um ambiente de aprendizado conectado com a realidade das crianças, o que torna o conhecimento mais significativo. 

Níveis de escrita

Uma das grandes contribuições de Emilia Ferreiro é o conceito de níveis de escrita, também conhecidos como fases da alfabetização:

  1. Pré-silábico: uso de rabiscos e desenho de letras, mas sem conseguir relacionar letras e sons da língua.
  2. Silábico: início da organização da escrita e das noções sobre as letras, sobre como usá-las e como organizá-las para que possa dizer algo.
  3. Silábico-alfabético: relacionamento de letras com sílabas faladas
  4. Alfabético: reprodução de todos os fonemas de uma palavra e percepção do modo de construção do código da escrita.

Vale destacar que para a pesquisadora, durante toda a alfabetização, é fundamental que a criança passe por etapas até atingir os resultados esperados. Isso significa que ela pode avançar ou regredir em alguns momentos, seguindo o seu ritmo e tempo. 

Qual o legado de Emilia Ferreira? 

Emilia Ferreiro faleceu na Cidade do México, no dia 26 de agosto de 2023, aos 86 anos, mas deixou um legado expressivo na educação brasileira e latino-americana. Embora as suas pesquisas tenham sido divulgadas no país na década de 80, elas são, ainda hoje, referências no meio pedagógico. 

Em outras palavras, as contribuições da educadora continuam sendo adotadas dia após dia, especialmente o construtivismo, que modificou diversas diretrizes oficiais do Ministério da Educação. 

Além disso, no Rio Grande do Sul, foi criado um Laboratório de Alfabetização totalmente inspirado nas pesquisas de Emilia, no qual é desenvolvida uma didática inteira em torno de suas descobertas. 

Emilia Ferreiro inspira educadores em diversas partes do mundo, fazendo-os compreender que as crianças devem ser ativas na aprendizagem, desde a alfabetização. Isso porque, segundo ela: “Ler não é decifrar, escrever não é copiar.” 

Principais obras de Emilia Ferreiro

Entre as principais obras de Emilia Ferreiro, destacam-se:

  • Psicogênese da Língua Escrita
  • Alfabetização em processo
  • O ingresso na escrita e nas culturas do escrito
  • Reflexões sobre alfabetização
  • Los Hijos del Analfabetismo (Propuestas para la Alfabetizacíon Escolar em América Latina) 

Frases de Emilia Ferreiro

Para homenagear a educadora, o governo argentino divulgou um artigo com as principais ideias de Emilia Ferreiro sobre alfabetização e educação. Confira abaixo a versão traduzida pelo site Porvir

  • “A escrita é importante na escola porque é importante fora dela e não o contrário.”
  • “Uma vez que a língua escrita não está distribuída democraticamente entre a população, o acesso à informação ligada à língua escrita também não é acessível de maneira equitativa.”
  • “Nunca entenderemos o desenvolvimento da criança se partirmos de nossas hipóteses como usuários de um sistema alfabético.”
  • “A criança piagetiana é aquela que tenta entender o mundo ao seu redor, que formula teorias tentativas sobre esse mundo; uma criança para quem praticamente nada é estranho.”
  • “O sistema alfabético puro é uma espécie de ideal nunca alcançado.”
  • “Ler não é decifrar. Escrever não é copiar.”
  • “Estamos falando do futuro e as crianças fazem parte desse futuro. Essas crianças (todas as crianças) não precisam ser motivadas a aprender. Aprender é a ocupação delas.”
  • “As crianças – todas as crianças -, eu lhes asseguro, estão dispostas à aventura da aprendizagem inteligente. Estão cansadas de serem tratadas como subdotadas ou como adultos em miniatura. Elas são o que são e têm o direito de serem o que são: seres naturalmente mutáveis, porque aprender e mudar é a sua forma de ser no mundo.”
  • “A alfabetização não é um luxo nem uma obrigação: é um direito.”

Críticas ao trabalho de Emilia Ferreiro

Por fim, vale destacar, que há uma corrente de pesquisadores, principalmente entre os defensores do método fônico de alfabetização, que criticam as contribuições de Emilia Ferreiro para a alfabetização.

Segundo o professor João Batista Araujo e Oliveira, doutor em Pesquisa Educacional pela Florida State University e presidente do Instituto Alfa e Beto, há equívocos conceituais nos trablhos de Emilia.

Nesse sentido, a abordagem socioconstrutivista tornaria o professor um mero mediador. Em decorrência, ela não levaria em conta que a alfabetização não se dá sem ensino explícito, porque o alfabeto é um código inventado pelo homem.

Outra crítica feita pelo educador é de que os estudos da pesquisadora argentina não teriam sido feitos com uma amostragem significativa de alunos.

“O estudo de Emília Ferreiro, alicerçado em Piaget, por exemplo, foi desenvolvido com base em uma pesquisa com 13 crianças, e 8 delas eram de classe média. Do ponto de vista científico, isso não tem credibilidade e não encontra respaldo na realidade”.

Outro crítico é o professor Pedro Caldeira, especialista em educação infantil e professor na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Ele defende que as ideias de Emilia desconsideram a importância do ensino direto e sistemático para a alfabetização por o considerarem radical e opressor. Isso refletiria uma bandeira política por parte da sociolinguista.

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