Composto por 9 contos diferentes, Sagarana foi o primeiro livro de Guimarães Rosa. A obra, publicada no ano de 1946, é regionalista e trata de temas que evidenciam a luta do bem contra o mal. 

Sagarana é um neologismo que une as palavras Saga (do alemão “sagen”, que denomina as narrativas históricas e épicas) com rana (de origem tupi, que significa “à maneira de”). O livro apresenta os seguintes contos:

  • O burrinho pedrês.
  • Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou “A volta do marido pródigo”.
  • Sarapalha.
  • Duelo.
  • Minha gente.
  • São Marcos.
  • Corpo fechado.
  • Conversa de bois.
  • A hora e vez de Augusto Matraga. 
Sagarana: análise e resumo da obra de Guimarães Rosa.

Resumo dos contos de Sagarana

O burrinho pedrês

Personagens principais: burrinho pedrês (Sete-de- Ouros), Major Saulo, Badu e Fracolin. 

O burrinho pedrês conta a história do Sete-de-Ouros, um burro velho e esquecido na Fazenda da Tampa de Major Saulo. Devido a sua velhice, o burrinho aguarda a chegada de sua morte, sem grandes perspectivas. 

No entanto, Major dá a ordem a João Manico para montar no burrinho e conduzir a boiada, junto a outros vaqueiros. Contrariado, o vaqueiro monta em Sete-de-Ouros, mas se sente incomodado pela velhice do animal. Inclusive, nenhum dos vaqueiros quer o seu lugar e ele só é o escolhido por ser o mais leve dos homens.

Durante a viagem, os vaqueiros contam muitas histórias e, dentre elas, vaza a informação que um dos integrantes do grupo,Silvino, quer matar outro, Badu. Tal possibilidade mexe com a narrativa e provoca uma série de reflexões.

Contudo, o ponto forte do enredo ocorre quando os vaqueiros chegam na travessia do Córrego da Fome e ficam com medo de cruzá-la. Assim, decidem se guiar pelo burrinho, afinal burros só entram em locais que conseguem sair. Nesse sentido,Sete-de-Ouros é o único que consegue lutar contra o rio e atravessá-lo. 

No dia seguinte, todos os vaqueiros são encontrados mortos, exceto Badu, que montava no burrinho, e Francolim, que ficou agarrado ao rabo de Sete-de-Ouros.

Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo

Personagens principais: Lalino Salãthiel, Maria Rita, Major Anacleto e Ramiro.

Lalino Salãthiel é um rapaz malandro que prefere viver uma vida de aventuras ao invés de se esforçar no trabalho. Em razão disso, ele sempre se atrasa para o serviço e passa a maior parte do tempo mentindo e contando histórias.

Certo dia, de tanto mentir, ele acaba acreditando em suas próprias criações e decide abandonar o trabalho e também a sua esposa, Maria Rita. A fim de se livrar das obrigações do cotidiano, Lalino começa a vender as suas coisas para viajar ao Rio de Janeiro, em busca de uma vida mansa. 

Entretanto, ele não consegue juntar dinheiro o suficiente e acaba pedindo emprestado a Ramiro, um espanhol que possui a fama de gostar de Maria Rita. Unindo o útil ao agradável, para convencer Ramiro, Salãthiel diz que, com o dinheiro, ele irá embora e sumirá para sempre, deixando Maria Rita sozinha. Dessa forma, o espanhol acaba por liberar a quantia. 

Contudo, a coisa toda não ocorre como ele imaginava. Salãthiel percebe que a vida não é um conto de fadas. Por isso, algum tempo depois, retorna para a casa. Porém, ao chegar, se depara com a sua mulher casada com Ramiro e descobre que ele ficou com a fama de ter vendido a esposa. 

Após o fato, Lalino conhece Oscar, que o convida para trabalhar na campanha do Major Anacleto. O trabalho é um sucesso devido à habilidade de Lalino de contar histórias e persuadir as pessoas. Com o tempo, e depois de muitos conflitos, ele reconquista a esposa.

Sarapalha 

Personagens principais: Primo Argemiro e Primo Ribeiro

O conto de Sarapalha é muito curto e fala sobre dois primos: Argemiro e Ribeiro, que vivem isolados em uma fazenda velha em Sarapalha. A maioria das pessoas que lá residia ou morreu, ou fugiu em decorrência da infestação da malária. No entanto, como ambos estão doentes, esperam ali mesmo pela morte. 

Enquanto aguardam o inevitável, eles dialogam e primo Ribeiro começa a exaltar as qualidades e a importância do primo Argemiro. Este, por sua vez, fica com a consciência pesada e decide pedir perdão ao primo Ribeiro. Isso porque ele era apaixonado pela esposa do primo, Luísa, a qual fugiu com um boiadeiro. 

A consequência dessa confissão é que o primo Ribeiro se sente traído pela segunda vez. Dessa forma, ele expulsa o primo Argemiro, mesmo doente, da fazenda. 

O conto traz como pano de fundo o tema da epidemia de malária, doença que assolava e deixa diversas vítimas na região. Como o local fica na beira do rio Pará, na época de seca, surgem várias poças de água, que são pontos propícios para a proliferação dos mosquitos que transmitem a malária.

Nesse sentido, várias passagens do conto fazem referência a sintomas dessa moléstia.

Duelo

Personagens principais: Turíbio Todo, Silvana, Cassiano Gomes, e Vinte-e-um. 

O duelo apresenta a história de Turíbio Todo, personagem que descobre a traição da esposa Silvana com Cassiano Gomes, um ex-militar. O mais interessante do enredo é que ninguém lhe contou sobre o adultério, ele mesmo flagrou a mulher pelo buraco da fechadura, após retornar de uma pesca. 

No entanto, no momento do flagrante, ele não esboça nenhuma reação. Muito pelo contrário, age como se nada tivesse ocorrido e planeja uma vingança. Assim, na manhã seguinte, em posse de sua arma, fica de tocaia na casa do amante da esposa e espera pelo melhor momento de agir.

Com o Cassiano de costas, Turíbio atira. Contudo, a bala acerta o irmão do Cassiano, que acaba morrendo. Turíbio, então, foge, pois sabe que cometeu um grande erro. Por sua vez, Cassiano, no velório do irmão, promete vingança contra o marido de Silvana. 

A fuga de Turíbio dura meses, bem como a perseguição de Cassiano por ele. Um dia, Turíbio retorna para o lar, no qual Silvana ainda vive, e decide passar uma noite com a mulher. Nessa mesma noite, ele confessa que não vai desistir de fugir até Cassiano se cansar. Isso porque ele sabe que Cassiano tem problema no coração e não aguentará muito.

Durante o enredo, o senhor conhecido como “Vinte-e-um” aparece e é ajudado financeiramente por Cassiano. Isso porque não tinha dinheiro para sustentar a esposa e o filho. Logo, após a ajuda, Cassiano se torna o herói de Vinte-e-um. Até que Cassiano falece e Silvana avisa Turíbio que ele poderia, finalmente, voltar. 

O que ele não esperava é que no meio do caminho encontraria com Vinte-e-um, que havia prometido continuar a vingança por Cassiano e o mata sem piedade.

Minha gente 

Personagens principais: moço (narrador- personagem), Emílio, Maria Irma, Ramiro Gouveia e Armanda. 

Narrado em primeira pessoa, o conto “Minha gente” é curto e tem início com a viagem do narrador-personagem, chamado de “moço”, até a fazenda de seu tio Emílio – candidato às eleições. Ao descer do trem, o narrador reencontra Santana e José Malvino, que o acompanham até seu destino. 

Chegando à fazenda, o moço se apaixona por uma das filhas de seu tio, Maria Irma, a qual não sente a mesma atração por ele e diz estar comprometida com alguém. Um dia, ela recebe a visita de Ramiro, que era noivo de outra pessoa, e o moço sente muito ciúmes. 

No entanto, ele tenta a todo custo chamar a atenção de Maria Irma e finge namorar outra moça da fazenda vizinha. Contudo, isso não dá certo e culmina na vitória do tio nas eleições. O moço, então, vai embora e promete retornar.

Em seu retorno, Maria Irma lhe apresenta Armanda e o moço se apaixona e se casa com ela. Já Maria Irma acaba se casando com Ramiro.

São Marcos

Personagens principais: José, ou Izé (narrador), Aurísio Manquitola e João Mangolô. 

Outra história narrada em primeira pessoa, “São Marcos” fala sobre um narrador racional que costuma zombar de todo o tipo de crença. Em Calango-Frito, o narrador conversa com Aurísio Manquitola e zomba da conhecida reza de São Marcos. 

No entanto, mais tarde, ele fica subitamente cego e não entende o motivo. Desesperado, sua única opção é recitar a oração de São Marcos. Assim, guiado pelo olfato e pela audição, encontra, finalmente, a casa de João Mangolô, um feiticeiro da região. 

Lá ele descobre que Mangolô foi o responsável pela sua cegueira, pois colocou uma venda sobre uma foto sua no porta-retrato para puni-lo por suas zombarias. 

Corpo fechado

Personagens principais: Manuel Fulô, feiticeiro Antonico das PedrasÁguas e Targino. 

Em “Corpo fechado”, Manuel Fulô é o protagonista que se faz de valente e é dono de uma mula desejada por Antonico das Pedras-Águas, um feiticeiro. Em contrapartida, Antonico tem uma sela cobiçada por Manuel. 

Enquanto há uma rivalidade entre os dois, Targino, o verdadeiro vilão, demonstra o interesse na noiva de Manuel, e expressa o desejo de ficar com ela. Assim, diz que ou Manuel aceita, ou Targino o matará. 

Desesperado, Manuel se alia ao feiticeiro Antonico, que promete fechar-lhe o corpo contra Targino. No entanto, em troca ele pede a mula. Após o trato, ocorre um duelo entre os dois, que faz o feitiço parar de funcionar e Manuel vence o conflito. 

Conversa de bois

Personagens principais: Tiãozinho, Didico, Agenor, Soronho e o boi Brilhante. 

Manuel Timborna, personagem principal, afirma que os bois falam. Para provar sua teoria, conta a história de oito bois, do menino Tiãozinho e do carreiro Agenor Soronho, senhor que tem um caso com a mãe do menino e está radiante pela morte do seu rival – o defunto levado pelo carro de boi. 

Entretanto, Tiãozinho não está feliz. Além de chorar a morte do pai, ele repudia Agenor. O primeiro motivo é por ele ficar com sua mãe, enquanto seu pai estava doente. O segundo, por ele maltratar os bois. 

Contudo, os bois percebem a situação e se mostram solidários ao menino. Assim, aproveitando-se do cochilo de Agenor, os bois derrubam a carroça, matando-o para a alegria de Tiãozinho. 

A hora e vez de Augusto Matraga

Personagens principais: Augusto Matraga, Major Consilva

“A hora e vez de Augusto Matraga” é o conto mais famoso de Sagarana. Augusto Matraga é durão e manda e desmanda em seu povoado. Entretanto, um dia recebe dois recados que mudam a sua vida para sempre.  Primeiro: sua esposa fugiu com outro homem, levando também a sua filha e todos os seus capangas mudaram de lado e agora são subordinados do Major Consilva, seu maior inimigo. 

Ao tirar satisfações com o Major Consilva, ele é espancado por seus antigos capangas e é considerado morto, após cair de um precipício. Contudo, o que ninguém sabe é que o homem sobrevive e vai morar em outro povoado. 

O protagonista, então, se regenera de todo o mal que causou e vive apenas em prol do destino. Passa a não fumar e nem beber. Além disso, evita conflitos e não busca por mulheres. Sua única missão se torna combater o mal que ainda existe em si e fazer somente o bem. 

No entanto, o cenário muda quando o bando de Joãozinho Bem-Bem surge no povoado. Augusto vira amigo do chefe e tenta integrar o bando, porém desiste. Mais tarde, decide partir, pois entende que ali não é o seu lugar. 

Um tempo depois, encontra o bando de Joãozinho Bem-Bem, mas discorda de sua forma cruel de se vingar de um dos homens do bando. Assim, chega a hora e vez de Augusto Matraga, que é morto num duelo. 

Análise literária de Sagarana

Pertencente à terceira geração modernista, ou pós-modernismo, a obra de Sagarana foi publicada em 1946 em um contexto histórico da época da Era Vargas. O livro, composto por nove contos de João Guimarães Rosa, dispõe de um caráter regionalista, o qual não impede a universalidade presente nas demais obras do escritor.  

O regionalismo apresentado nos contos está ligado às características locais do sertão mineiro, por meio de elementos culturais e geográficos, atributos das pessoas que ali residem. Assim, Guimarães Rosa desenvolve a sua ficção, extraindo, inclusive, temas universais. 

Todas as histórias ultrapassam o local e podem ser transmitidas para outras nações e em outros tempos. Essa característica mais ampla dos textos é dada por meio de narrativas cheias de conflitos e traições, que opõem o bem e o mal. Ademais, o autor traz um caráter coloquial por intermédio dos diálogos entre os personagens. 

Esse exercício com a linguagem faz com que o leitor consiga adentrar o universo do povo do sertão, transformando a linguagem em elemento lírico-identitário. Além disso, também é possível notar a violência que aparece como elementos regionais e universais. Seja a violência humana, seja a violência animal, ela está presente na maioria das narrativas, fazendo com que os personagens tenham que lutar para sobreviver. 

Vale salientar que a obra é caracterizada como “sagaranas”, ou seja, histórias que se assemelham a lendas. Inclusive, o título é um neologismo que sugere um tom épico aos personagens das narrativas, os tornando heroicos – elemento presente no modernismo ou pós-modernismo brasileiro. 

Informações-chaves sobre Sagarana

Na tabela abaixo, você confere as principais informações sobre a obra Sagarana:

Informações sobre o livro Sagarana
AutorGuimarães Rosa
Movimento LiterárioModernismo
Contexto históricoEra Vargas
Foco narrativoDuelo – terceira pessoa
Onde acontecem as históriasMinas Gerais (sertão mineiro)
Tipos de narradorProtagonista e onisciente
Marcas de linguagemRegionalismo, oralidade e uso de neologismos
Contos– O burrinho pedrês.
– Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou “A volta do marido pródigo”.
– Sarapalha.
– Duelo.
– Minha gente.
– São Marcos.
– Corpo fechado.
– Conversa de bois.
– A hora e vez de Augusto Matraga.

Quem foi Guimarães Rosa?

João Guimarães Rosa nasceu em 27 de junho de 1908, em Cordisburgo, Minas Gerais. Ainda criança estudou diversos idiomas de forma autodidata, aprendendo assim, diferentes línguas. Em 1925 se matriculou na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, se formando em 1930, mesmo ano em que se casou com Lígia Cabral Penna, com quem teve duas filhas. 

Passou a exercer a profissão de médico e atuou, inclusive, como voluntário. No entanto, em 1934 foi aprovado em concurso para o Itamaraty e exerceu diferentes funções diplomáticas. Nesse meio tempo, conheceu sua segunda esposa, Aracy Moebius de Carvalho e em 1958 foi promovido a embaixador. 

Contudo, mesmo com uma vasta gama de ocupações, Guimarães Rosa sempre teve o hábito de escrever e, em 1936, publicou o seu primeiro e único livro de poesias, intitulado de “Magma”. Com ele, recebeu um prêmio da Academia Brasileira de Letras. Além dele, em 1946, o autor publicou “Sagarana”, seu único romance, que faz parte da terceira geração moderna ou pós-modernismo. 

O escritor faleceu em 19 de novembro de 1967, no Rio de Janeiro, três dias após a sua posse na Academia Brasileira de Letras, eleito por unanimidade. 

Mágico das palavras

A escrita de Guimarães Rosa é marcada pela criatividade e pelo experimentalismo. Nesse contexto, o autor é considerado o mágico das palavras, porque usou vastamente os neologismos e criou uma série de termos em seus textos. Confira algumas abaixo:

NEOLOGISMOS DE GUIMARÃES ROSA
Enxadachim Trabalhador do campo, que luta pela sobrevivência. A palavra reúne “enxada” e “espadachim”.
ArrelequeAsas abertas em forma de leque
CircuntristezaTristeza circundante
SuspirânciaSuspiros repetidos
CoraçãomenteCordialmente
NomadaCoisa sem importância, resulta da fusão de “non”, do português arcaico, com “nada”.
VelhoucoJunção de “velho” com “louco”
DescreviverFusão de “descrever” com “viver”
MatragaUnião de “má” como verbo “trazer”
DesafogaréuUm desafogo muito grande (desafogo + fogareu)

Principais obras de Guimarães Rosa

Guimarães Rosa deixou as seguintes obras:

  • Sagarana – 1946;
  • Corpo de baile – 1956;
  • Grande sertão, veredas – 1956;
  • Primeiras estórias – 1962;
  • Manuelzão e Miguilim – 1964;
  • Campo geral – 1964;
  • No Urubuquaquá, no Pinhém – 1965;
  • Noites do Sertão – 1965;
  • Tutameia — Terceiras estórias – 1967;
  • Estas estórias – 1969;
  • Ave, palavra – 1970;
  • Magma – 1997.

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